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Óbvio conflito de interesses

Escritório do ministro da CGU advoga para a Odebrecht na revisão de acordo de leniência

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Por Notas & Informações
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O Estadão revelou que o escritório de advocacia do ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, presta serviços à Odebrecht, atual Novonor, há pelo menos seis anos. Nada haveria de errado nisso se a notória empreiteira não fosse representada pela banca do sr. Vinícius Marques, a VMCA Advogados, justamente no processo de revisão do acordo de leniência firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no âmbito da Operação Lava Jato.

À luz da Lei 12.813/13, que dispõe sobre conflitos de interesses, parece evidente que estamos diante de um desses conflitos aqui. Mas há mais fatos para estarrecer qualquer cidadão minimamente familiarizado com a elementar ideia de República. Embora não representada diretamente pelo VMCA Advogados no caso, a Novonor também negocia a revisão do bilionário acordo de leniência assinado em 2018 com a própria CGU, ora chefiada pelo sr. Vinícius Marques.

A bem da verdade, Vinícius Marques licenciou-se da banca batizada com suas iniciais no dia 10 de janeiro de 2023, após entrar para o primeiro escalão do governo federal. Mas o escritório seguiu atuando pelos interesses da Novonor/Odebrecht com a administração pública sob o comando de sua mulher, Marcela Mattiuzzo.

Como sói acontecer em casos semelhantes, tudo parece estar revestido da mais cândida aura de legalidade e decência. Após assumir a CGU, Vinícius Marques consultou a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência para saber se, uma vez investido no cargo público, poderia continuar recebendo “dividendos decorrentes de resultados do escritório”. A alegação do ministro da CGU, ao final aceita pela CEP, era de que, na condição de “sócio patrimonial” do VMCA Advogados, “esses pagamentos não constituem qualquer tipo de atuação simultânea relacionada à advocacia junto ao ou pelo referido escritório”.

Como este jornal apurou, Vinícius Marques só não informou à CEP que muitos dos clientes do VMCA Advogados têm interesses sob análise de órgãos governamentais, entre os quais, e principalmente, a CGU.

Questionado pelo Estadão, Vinícius Marques disse que abriu mão de sua remuneração como “sócio patrimonial” do escritório, mas não informou como os dividendos passaram a ser redistribuídos – sobretudo se a parte que lhe caberia passou a ser recebida pela mulher.

Há muito a ser explicado, de maneira clara, a propósito dessas relações eticamente questionáveis. Ninguém que exerça a função do ministro Vinicius Marques deveria alimentar suspeitas de que está dos dois lados do balcão, sobretudo num caso rumoroso como o da Novonor/Odebrecht e seu envolvimento no escândalo de corrupção investigado na Operação Lava Jato. Melhor seria que o sr. Vinicius Marques deixasse o cargo caso o escritório que leva suas iniciais e que tem sua mulher como sócia continue a advogar para a Novonor/Odebrecht no âmbito da CGU e do Cade. É o que faria quem respeita a República.