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Os ruídos no Banco Central

Tecnicamente, a ata entregou as explicações esperadas. Politicamente, o BC ainda parece ter mais a dizer

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Por Notas & Informações
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A ata do Comitê de Política Monetária (Copom) dissipou as dúvidas do mercado de que o Banco Central (BC) estaria disposto a adotar uma postura mais leniente com a inflação. O tom do documento foi considerado duro e houve um esforço para esclarecer as razões pelas quais quatro dos diretores – todos indicados pelo presidente Lula da Silva – votaram por uma redução maior da taxa básica de juros.

Como esperado, a ala dissidente preferia seguir o rumo sinalizado na reunião anterior, na qual o BC indicou a possibilidade de uma última redução de 0,50 ponto porcentual (p.p.) na Selic. Para esses diretores, por maiores que fossem as incertezas externas e domésticas, a política monetária já estaria em nível suficientemente contracionista, e o custo de mudar a sinalização anterior poderia ser elevado demais.

Já os diretores que preferiram votar pela redução de 0,25 p.p. reforçaram que o cenário mais benigno com o qual trabalhavam até março não se confirmou. Ficou implícito, para esse grupo, que as declarações dadas pelo presidente Roberto Campos Neto em um evento em Washington, em abril, já eram uma indicação de que o BC não hesitaria em fazer o necessário para levar a inflação à meta.

Tecnicamente, a ata entregou as explicações esperadas e deixou a impressão de que os juros não mais cairão a um dígito, dada a avaliação unânime sobre a necessidade de uma política monetária “mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações sobre os próximos passos”. Politicamente, no entanto, o BC ainda parece ter algo a dizer, haja vista que três integrantes do Copom saíram a público para fazer comentários adicionais sobre a última reunião do Copom.

À Bloomberg, o diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, sustentou que o comitê deveria “priorizar mecanismos oficiais de comunicação” que resultam de “conversas entre membros do conselho”, uma crítica não tão velada à atitude de Campos Neto.

Campos Neto, por sua vez, não escondeu o desconforto. Na abertura da Conferência Anual do Banco Central do Brasil, em Brasília, ele reforçou que as expectativas de inflação estão desancoradas e que a política monetária não permite discussões sobre o centro e a banda da meta de inflação. “Nossa meta é 3% e deveríamos persegui-la”, disse.

Já o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, provável sucessor de Campos Neto no cargo, contemporizou. Em um evento em Nova York, endossou a declaração do presidente do BC sobre a necessidade de firme persecução da meta, mas não deixou de dar razão a Picchetti ao mencionar que Campos Neto não consultou os demais diretores antes do discurso em Washington, que pavimentou a decisão adotada na última reunião do Copom.

A piora nas expectativas, aliada ao conteúdo da última ata, já foi suficiente para o mercado ajustar suas posições – e já há quem espere que a Selic será mantida inalterada na próxima reunião, em junho. Fato é que o BC precisará aparar arestas e afinar sua comunicação antes disso – não para preparar o mercado para suas decisões, mas para preservar a credibilidade da instituição.l