Desde 2020, a revisão do Plano Diretor de São Paulo divide urbanistas. Após a primeira votação na Câmara, há três semanas, a celeuma se espraiou pelo debate público paulistano. Isso é positivo. Cidadãos se responsabilizando por sua cidade são, por definição, a base de uma cidadania construtiva. Mas as emoções extremadas sugerem uma contaminação desastrosa das políticas urbanas pela política partidária.
Planos Diretores são obrigações constitucionais dos municípios reguladas pelo Estatuto da Cidade, que normatizam o uso da propriedade urbana. O Plano vigente em São Paulo foi aprovado em 2014 para valer até 2029, com a meta de “reduzir as desigualdades socioterritoriais para garantir, em todos os distritos da cidade, o acesso a equipamentos sociais, a infraestrutura e a serviços urbanos”.
Como outras metrópoles nas Américas, o crescimento de São Paulo foi rápido, desordenado e orientado ao transporte individual. O resultado são as chamadas cidades 3D: distantes, desordenadas e desconectadas. Ao contrário da expansão típica dos EUA em subúrbios de classe média e baixa densidade, no Brasil prevaleceu a aglomeração de pessoas pobres nas periferias, de onde realizam longos deslocamentos em transportes públicos parcos e precários atrás de emprego, serviços e lazer no centro.
Para dar uma ideia desse espraiamento, o distrito mais denso de São Paulo, a República, tem a densidade média de Paris, que é mais que o dobro da média de São Paulo. Afora o centro, as zonas mais densas – como Sapopemba, Cidade Ademar ou Aricanduva – são periféricas, horizontalizadas e pobres.
O Plano reverte a dinâmica do espraiamento desordenado às periferias, mas não pela lógica da concentração indiscriminada no centro, e sim por um “adensamento inteligente”. A ideia é estimular construções próximas aos corredores e núcleos de transporte, ou seja, conectar a edificação imobiliária privada com a estrutura mobiliária pública, como as partes de um corpo conectadas por ossos, artérias e neurônios. São zonas vocacionadas a ser 3C, compactas, conectadas e coordenadas.
O Plano previu mais potencial construtivo e incentivos à construção para que espaços num raio de 600 metros das estações de metrô e numa margem de 300 metros dos corredores de ônibus sejam mais densos, verticalizados e de uso misto. A revisão propõe ampliar essas áreas, respectivamente, para 800 e 450 metros.
É legítima a preocupação de moradores com a descaracterização ou o congestionamento de seus bairros por excesso de construções. Mas, primeiro, essas zonas, qualitativamente cruciais, quantitativamente cobrem só 6% da área urbana. De resto, a verticalização em eixos de transporte público pode não só dinamizar a mobilidade, como preservar os “miolos de bairro” menos verticalizados, com mais comércio familiar, residências e espaços verdes. Há controles regionais de potenciais construtivos e, quanto à memória da cidade, há ferramentas, como os inventários, para preservar espaços e edifícios de valor histórico.
Assim, a revisão segue a proposta de “adensamento inteligente”. Longe de fazer terra arrasada do Plano, ela o amplia. Pode-se divergir se essa ampliação é mais ou menos inteligente, mas é estranho os críticos denunciarem o “caos” e a “destruição” a serviço da “voracidade” das incorporadoras. Se há essa voracidade, ela reflete o desejo dos cidadãos de morarem, trabalharem e se divertirem próximos uns aos outros, anseio que é a essência da cidade. A de São Paulo continua crescendo em população e renda. Construtores procuram atender a essa demanda onde for permitido, e, quanto maior a oferta, menor será o custo para viver na cidade.
É legítimo questionar a ideia do Plano de concentrar as ofertas nos eixos de transporte e, também, a ideia da revisão de ampliar essa concentração. Mas parece exagero, politicamente motivado, prever o “caos” se elas forem aprovadas. Pode-se discutir se 100 metros a mais ou a menos farão alguma diferença, mas o Plano, no seu conjunto, busca aproximar as pessoas da infraestrutura, dos serviços urbanos e dos equipamentos sociais, de modo a cumprir sua promessa de “reduzir as desigualdades socioterritoriais”.