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Pagando a conta

Brasil quita dívidas com organismos internacionais antes do vexame de perder direito de voto

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Por Notas & Informações
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O Brasil afinal resolveu pagar o que devia aos organismos internacionais, cumprindo seu dever de quitar as contribuições voluntariamente assumidas e acabando com o risco de passar vexame ao perder o direito de votar em diversos fóruns relevantes para o País.

O governo Lula da Silva não apenas pagou, em dezembro, o restante de um passivo de R$ 4,6 bilhões acumulado desde a gestão anterior, como deu também um relevante passo ao tornar essas despesas obrigatórias no Orçamento da União a partir deste ano. Ao pôr fim à sua recorrente inadimplência, o País afinal demonstra que leva a sério a vocação multilateralista de sua Política Externa e reforça sua presença nos debates mundiais que afetam os interesses nacionais.

As dívidas nessa seara sempre resultaram em vexame à diplomacia brasileira. Em nota conjunta, os Ministérios das Relações Exteriores e do Planejamento assinalaram a grave situação provocada pelo passivo herdado da gestão de Jair Bolsonaro no início de 2023, quando o Brasil teve seu poder de voto suspenso na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), no Tribunal Penal Internacional (TPI) e em outros três fóruns. A correria para quitar o débito evitou que a vergonha se prolongasse no tempo.

Tal punição nada tem de trivial. O engajamento nos debates multilaterais historicamente tem reforçado a condição do Brasil de ator diplomático relevante, malgrado não ter força militar significativa e de estar longe do pleno desenvolvimento. Perder o voto, mesmo momentâneo, significa um isolamento que prejudica os brasileiros. O selo de adimplência, ao contrário, traduz sua seriedade com os organismos que integra. Por isso, virar o ano endividado não era opção. O arremate dos R$ 4,6 bilhões devidos, em dezembro, incluiu R$ 288,8 milhões à Organização das Nações Unidas (ONU) e R$ 1,1 bilhão às suas missões de paz, muitas das quais integradas por militares brasileiros. A ameaça de o Brasil ver-se podado na Assembleia-Geral e das missões da ONU em 2024 era real.

A expectativa é que esse atropelo não mais se repita. Ao incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a obrigatoriedade de pagamento em dia aos organismos multilaterais e regionais e às instituições financeiras internacionais, o Brasil sinaliza que leva a sério esse compromisso, superando a uma negligência que já havia se naturalizado na gestão do Orçamento da União. É preciso lembrar que, em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, o Brasil perdeu seu direito de voto nos mesmos TPI e AIEA que Bolsonaro deixou de pagar sete anos depois.

A participação ativa do Brasil em instituições multilaterais e regionais não é um capricho deste ou de outro governo. Trata-se de decisão soberana. Ao Estado brasileiro cabe a tarefa constitucional de defender o interesse nacional nas mais diferentes esferas de diálogo internacional. Zelar pelos organismos nos quais está presente e financiar suas atividades são as contrapartidas devidas por todos os seus integrantes. Felizmente, o Brasil parece ter entendido essa premissa.