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Paixão e pragmatismo

A manutenção do veto à importação de carne bovina brasileira é o segundo revés imposto pelo governo dos Estados Unidos aos interesses do Brasil em menos de um mês

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Por Notas & Informações
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Os Estados Unidos anunciaram a manutenção do veto às importações de carne bovina do Brasil, decretado em 2017 na esteira da Operação Carne Fraca. Naquele ano, a Polícia Federal revelou um esquema de adulteração do produto e de obtenção fraudulenta de certificados sanitários. A decisão de Washington frustrou o governo brasileiro. “A nossa expectativa era a de que o veto não se mantivesse”, disse o porta-voz do Palácio do Planalto, general Otávio do Rêgo Barros.

O presidente Jair Bolsonaro acalentava a ideia de que o veto à carne brasileira seria suspenso pelas autoridades dos Estados Unidos por conta de um alegado estreitamento de sua relação com o presidente Donald Trump, talvez acreditando que seu charme pessoal pudesse se sobrepor às fortes pressões do lobby do setor agropecuário daquele país. O presidente fará bem a si e ao Brasil se deixar o terreno da fantasia e entrar no mundo real do comércio exterior e da diplomacia.

A relação entre as nações - o presidente já teve tempo para aprender no exercício do cargo - é movida por interesses, não amizades. Se houve frustração entre as autoridades brasileiras, que esse sentimento logo se transforme em aprendizado a fim de reorientar rapidamente a condução de nossa política externa, em especial a relação do País com os Estados Unidos, que há de ser mais pragmática e menos apaixonada.

A manutenção do veto à importação de carne bovina brasileira é o segundo revés imposto pelo governo dos Estados Unidos aos interesses do Brasil em menos de um mês. Em outubro, a Casa Branca não endossou o início imediato do processo de ingresso do País na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O presidente Jair Bolsonaro havia tratado o suposto endosso norte-americano à pretensão brasileira como o maior triunfo diplomático de sua visita ao presidente Donald Trump, em março.

A motivação alegada pelas autoridades norte-americanas para a manutenção do veto à carne foi de ordem técnica. A decisão teria sido tomada após inspeção realizada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês) em frigoríficos no Brasil. Não é improvável que uma ou outra irregularidade tenha sido encontrada. Mas o Brasil é o maior produtor mundial de proteína animal, tem reconhecidas algumas das melhores práticas na gestão do setor agropecuário e um veto total ao produto brasileiro implica o reconhecimento de vulnerabilidades que nem de longe têm amparo nos fatos. É lícito inferir, pois, que outros interesses tenham pautado a decisão. O presidente Donald Trump está em campanha por sua reeleição, que, ao que tudo indica, será bem mais acirrada do que a de 2016. Levantar o veto às importações de carne do Brasil poderia significar a abertura de um foco de tensão com os produtores locais.

Desde a eclosão da Carne Fraca, restou evidente que as fraudes e adulterações foram cometidas por uma parcela bastante restrita de frigoríficos. O espalhafato da operação da Polícia Federal não condizia com a realidade e o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento à época, Blairo Maggi, percorreu o mundo em um hercúleo trabalho de esclarecimento. Deu resultado. A carne brasileira hoje é consumida em vários cantos do planeta.

Em recente visita à China, Bolsonaro surpreendeu e deu mostras de pragmatismo ao firmar importantes acordos para a importação do produto brasileiro. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou que o governo chinês habilitou sete plantas frigoríficas de Santa Catarina para a exportação de miúdos ao país asiático.

O governo federal espera que uma nova inspeção seja realizada pelas autoridades norte-americanas e o veto seja suspenso, o que será muito bom para o Brasil, não só pela abertura do mercado dos Estados Unidos, mas porque a chancela da Usda facilitará a abertura de outros países à nossa pecuária. Mas não há data para isso acontecer. O País há de buscar novos mercados por meio de uma diplomacia pragmática, não ideológica.