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Pela credibilidade do IBGE

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Por Redação
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Como era previsível, os funcionários designados para esclarecer o vazamento de dados sobre inflação, mercado de trabalho e PIB por falha no sistema eletrônico de divulgação de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) procuraram de todos os modos reduzir o fato a uma simples falha técnica e minimizar suas consequências. Mas o episódio deixa evidente uma fragilidade técnica da instituição que pode arranhar sua credibilidade.No caso do dado que levou à descoberta da falha na página eletrônica do IBGE - a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em outubro -, de fato, não há, até o momento, indicações de que a informação vazada tenha sido utilizada de maneira dolosa por alguém ou alguma instituição para auferir vantagens. Mas a persistência da falha por cerca de cinco meses e a incapacidade do IBGE de a detectar por seus próprios meios - o problema só foi descoberto após advertência de um jornalista - podem ter produzido efeitos, que só com o tempo será possível aferir.O IBGE vinha cumprindo com rigor seu calendário de divulgação. Na véspera da divulgação oficial dos dados sobre a inflação em outubro, no entanto, um jornalista descobriu que a informação mais importante, que é a variação do IPCA, índice básico de inflação do País, já estava disponível no site do IBGE, e informou a instituição sobre essa ocorrência.A informação ficou disponível entre 17h10 e 17h38. Pouco depois de receber o alerta sobre o vazamento, a direção do IBGE retirou o número do ar e tomou a decisão de antecipar para aquele mesmo dia a divulgação, que só deveria ser feita às 9 horas do dia seguinte, dos dados completos sobre a inflação em outubro."Avaliamos que o vazamento não teve qualquer efeito nos mercados, porque, pelo horário, já estavam fechados", disse o diretor do Centro de Documentação e Disseminação de Informações do IBGE, David Wu Tai. É possível que sua avaliação esteja correta, pois, além do horário, o próprio índice cuja divulgação foi indevidamente antecipada dava pouca margens para sua utilização privilegiada. No mês passado, a alta do IPCA foi de 0,43%, confirmando as expectativas predominantes no mercado. Para o economista da LCA Consultores Francisco Pessoa, o fato de o índice ter sido igual à mediana das expectativas afasta o risco de o vazamento ter propiciado seu uso especulativo.Mas, como advertiu a economista-chefe do Royal Bank of Scotland, Zeina Latif, o que poderia acontecer se o IPCA tivesse apresentado uma variação muito surpreendente, capaz de gerar nervosismo entre os investidores? É essa possibilidade que torna grave o vazamento. O fato de poder dispor antecipadamente de uma informação favorece uns e prejudica outros.Não era só ao IPCA, mas também a dados sobre emprego e renda e sobre o PIB que se podia ter acesso antecipado no endereço eletrônico do IBGE, por causa de uma falha existente desde maio, quando se concluiu a mudança do sistema de informações do órgão. Só os títulos das informações a serem divulgadas oficialmente no dia seguinte estavam disponíveis antecipadamente, mas os títulos contêm as informações básicas, como a variação do IPCA ou o crescimento do PIB no período.Por causa do risco do aproveitamento doloso em operações financeiras de dados do IBGE obtidos com antecedência, o governo mudou até mesmo a sistemática de divulgação interna dessas informações. Os ministros da área econômica recebiam informações sobre o desempenho da economia 24 horas antes de o IBGE as divulgar para a imprensa e em seu site. Em 2007, para afastar suspeitas de vazamento desse tipo de informação que estavam sendo investigadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o governo reduziu o prazo de antecipação para apenas duas horas.A ocorrência de novo problema na divulgação de dados do IBGE deveria ser apurada pela CVM ou outro órgão independente, até para comprovar, se for o caso, que não houve dolo, desídia nem outro comportamento condenável do IBGE, cuja credibilidade, assim, não será colocada em dúvida.