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Placar sinistro

A PM paulista já matou mais de 40 pessoas em operações para vingar a morte de policiais

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Por Notas & Informações
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É estarrecedor que não tenha causado nenhuma comoção a notícia de que a Polícia Militar (PM) matou nada menos que sete pessoas num único fim de semana na Baixada Santista, a título de vingar a morte de um PM durante patrulha em Santos. No total, operações desse tipo, criadas no governo de Tarcísio de Freitas, já deixaram mais de 40 mortos. Salvo as manifestações de praxe por parte de grupos de defesa dos direitos humanos, parece imperar a indiferença diante da evidente truculência policial.

Conclui-se que há certas regiões do Estado de São Paulo, notavelmente as mais pobres, em que não vigora o Estado Democrático de Direito – aquele que garante a todos, sem distinção, a igualdade perante a lei –, e nem isso tem sido capaz de despertar grande interesse, salvo como matéria-prima para o noticiário sensacionalista. Dá-se de ombros, como se fosse aceitável que uma parte da população paulista não seja titular de direitos.

O curioso é que o governo estadual não tem se empenhado muito em disfarçar o caráter arbitrário de suas ações. O linguajar utilizado para explicar tantas mortes assemelha-se ao dos tempos da ditadura militar, em que os infames “autos de resistência” tentavam dar legitimidade à execução de suspeitos por policiais. Os “autos de resistência” não existem mais com esse nome, mas o espírito permanece, como se depreende das declarações do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, a propósito das mais recentes mortes resultantes da Operação Escudo: segundo ele, “os indivíduos atentaram contra os policiais” e “um deles, com passagens por roubo e furto, foi neutralizado e evoluiu a óbito”.

Não se trata apenas de justificar as mortes. Trata-se de celebrá-las. Antes de ser escolhido secretário, o sr. Derrite – ex-policial militar considerado violento demais até pela Rota, o que é uma façanha – disse que é “vergonhoso” um policial que trabalhe cinco anos e não tenha “pelo menos três ocorrências ou mais que tenham o resultado evento morte do criminoso”. Foi com esse tipo de pensamento deturpado sobre segurança pública que ele se elegeu deputado federal, já que não são poucos os eleitores que confundem policiamento com justiçamento. E lamentavelmente, como era previsível, é esse tipo de pensamento que parece predominar hoje na segurança pública de São Paulo.

É nesse contexto que se insere a resistência do governo paulista ao programa de câmeras nos uniformes da PM. Qualquer forma de constrangimento à truculência policial é desde logo entendida como limitação ao trabalho da PM e como favorecimento aos criminosos. Desconsidera-se que as câmeras protegem os bons policiais contra falsas acusações e ajudam as vítimas dos maus policiais.

Tudo isso faz parte da cultura de regimes autoritários, que entendem o combate ao crime como uma guerra na qual não se fazem prisioneiros. Além de deixar um rastro de mortes e de violência contra inocentes, não funciona.