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Preconceito contra estrangeiros

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Por Redação
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Embora a Constituição proíba "distinções de qualquer natureza" entre brasileiros e estrangeiros que aqui vivem - assegurando-lhes direitos iguais, entre os quais o direito à propriedade - e também não distinga empresas brasileiras com base na origem de seu capital, o governo Lula decidiu limitar a venda de terras para empresas brasileiras controladas por estrangeiros. Essa decisão restabelece a diferença entre as empresas brasileiras com base na composição de capital, que foi eliminada da Constituição pela Emenda Constitucional n.º 6, de 1995, e cria uma situação de insegurança jurídica - como lembrou o professor de Filosofia Denis Lerrer Rosenfield, em artigo publicado segunda-feira no Estado - que poderá desviar parte dos investimentos externos programados para o Brasil.Em vigor desde o dia 23 de agosto, essa nova interpretação causa estranheza pelo momento em que foi adotada, pelo instrumento utilizado para validá-la e por sua fundamentação.Desde 1997, para todos os efeitos legais, o governo adotava a interpretação dada por um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovado pelo presidente da República, segundo o qual, em decorrência da aprovação da Emenda n.º 6, não há distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro.No início do segundo mandato de Lula, no entanto, a Casa Civil, chefiada pela hoje candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, tomou a iniciativa de reabrir a discussão da compra de terras por estrangeiros. As conclusões dessa discussão, preparadas pelo consultor-geral da União, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Jr., foram enviadas à AGU em setembro de 2008. Só dois anos depois e faltando pouco mais de um mês para as eleições, o advogado-geral, Luís Inácio Lucena Adams, as desengavetou e encaminhou ao presidente da República, recomendando a aprovação. No dia em que recebeu a documentação da AGU, o presidente aprovou o parecer, demonstrando sua pressa em decidir sobre uma questão que tem muito mais interesse político do que econômico.Há uma legislação e havia uma interpretação clara aplicável à questão, daí a estranheza quanto à abertura da discussão. Também causa estranheza a utilização de um simples parecer, e não de um projeto de lei ou, até mesmo, de uma proposta de emenda constitucional, para mudar a regulamentação de uma questão tão relevante para a atividade econômica e para os investimentos.Estranhas são também as razões do governo. O que a documentação deixa claro é a motivação política, não técnico-jurídica, do reexame e da nova interpretação da propriedade de terras por estrangeiros. Entre as razões que justificariam o controle mais rigoroso do governo sobre a propriedade de terras, o consultor-geral da União citou a expansão da fronteira agrícola que poderia ameaçar áreas de proteção ambiental. Trata-se de um falso argumento, pois, como lembrou Rosenfield no artigo citado, "há toda uma legislação vigente que se aplica à conservação do meio ambiente, e que diz respeito tanto a empresas de capital nacional quanto estrangeiro".Outro argumento do consultor-geral é a "valorização desarrazoada" das terras, que gerou "aumento do custo do processo de desapropriação voltada para a reforma agrária, bem como a redução do estoque de terras disponíveis para esse fim". Aqui há referência direta a uma das motivações centrais da revisão da interpretação do conceito legal de empresa brasileira: a reforma agrária. Ela atende a pressões do Incra, que, por sua vez, age sob o estímulo de organizações clandestinas, como o MST.Quanto às demais razões citadas - necessidade de combater a biopirataria, o uso de dinheiro de atividades ilegais na compra de terras e a venda ilegal de propriedades públicas -, são questões para a Polícia ou para os cartórios de imóveis, não para uma nova definição de empresa brasileira.Em resumo, a medida atende aos interesses políticos dos que defendem a reforma agrária, como os membros do MST, e dos que, em nome da preservação de nações indígenas, querem controlar a propriedade de terra em determinadas regiões. Não é do interesse do País.