Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Prevaleceu o bom senso

Governo, Congresso e setores empresariais beneficiados fazem acordo razoável para a reoneração gradual da folha; agora, é preciso trabalhar pela redução geral do custo do emprego no País

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Após um longo embate, o governo anunciou um acordo para reonerar a folha de pagamento de 17 setores da economia de maneira gradual. Pela proposta anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a tributação continuará zerada neste ano e voltará a ser cobrada de maneira escalonada entre 2025 e 2028.

Duas vezes derrotado por um Congresso amplamente favorável à medida, o governo apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reequilibrar o jogo na marra. Pela liminar concedida pelo STF, as empresas teriam de recolher a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha já no dia 20 deste mês, fator que obrigou os setores a sentar à mesa de negociação com o Executivo.

Se o acordo ficou longe do ideal para as empresas, o governo também teve de ceder na busca de um meio-termo. Haddad queria dar fim imediato à desoneração, mas aceitou adiá-la até o início de 2025, quando a cobrança será restabelecida de maneira escalonada – 5% no ano que vem, 10% em 2026, 15% em 2027 e 20% em 2028.

A Fazenda ainda terá de encontrar maneiras de compensar uma renúncia de R$ 20 bilhões neste ano, bem como desenhar uma solução para os pequenos municípios, também incluídos no benefício. O governo, no entanto, tem consciência de que sua vitória parcial tem prazo de validade curto, e o próprio ministro Haddad reconheceu que o modelo atual de tributação da folha está ultrapassado.

Reportagem publicada pelo Estadão expôs o tamanho desse anacronismo. Segundo José Pastore, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os encargos trabalhistas custeados pelas empresas superam os salários pagos por elas a seus funcionários. Representam nada menos que 103,7% das remunerações.

Pastore já havia apontado essas distorções há 30 anos, em artigo publicado pelo Jornal da Tarde em 9 de fevereiro de 1994. O texto alertava que os encargos sociais eram uma das causas do aumento do desemprego – além, é claro, dos efeitos da recessão que assolou o País durante a década de 1980. Nem mesmo os países europeus, conhecidos pela política de bem-estar social, tinham encargos tão elevados quanto os cobrados no Brasil.

Décadas atrás, para evitar aumentar custos fixos num cenário de incertezas, as empresas preferiam pagar horas extras aos funcionários a contratar novos trabalhadores. Hoje, o problema explica parte do fenômeno da ascensão do empreendedorismo – que, em muitos casos, não tem qualquer relação com a abertura de novos negócios.

É evidente que há brasileiros que querem de fato empreender, mas é inegável que muitos se tornam pessoas jurídicas (PJs) ou microempreendedores individuais (MEIs) apenas para sobreviver num mercado de trabalho dominado por baixos salários e informalidade. Na falta de uma solução estrutural, recorre-se a puxadinhos, como a pejotização, os MEIs e a desoneração da folha de pagamento.

É fato que a medida foi prorrogada sucessivas vezes pelo Legislativo, mas a gênese dessa política remete ao ano de 2011 e ao governo Dilma Rousseff, que pretendia estimular setores em dificuldades atrelando o benefício à manutenção de empregos. Como se diz em Brasília, nada mais permanente que um programa temporário de governo.

É essencial que o governo assuma a responsabilidade de construir um novo sistema que valha indistintamente para todos os brasileiros e setores econômicos – e é fundamental que ele desonere a folha para todos os setores, o que ampliará a formalização do mercado de trabalho, melhorando a base de arrecadação da Previdência. A inação e a falta de liderança do Executivo são um estímulo ao ativismo de um Congresso sensível às dificuldades do setor privado.

Não se trata mais de uma questão meramente trabalhista. Projeções sobre a Previdência mostram não haver alternativa que não seja a revisão de políticas que comprometem sua sustentabilidade. Será preciso enfrentá-las, por mais impopulares que essas pautas sejam, a não ser que o governo prefira assistir de camarote ao colapso do sistema de proteção social.