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Prisão não é ato discricionário do juiz

Ao soltar presas do 8 de Janeiro por ocasião do Dia da Mulher, Moraes deixa claro que não havia base legal para mantê-las na cadeia. Prisão decorre da lei, e não da vontade do juiz

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Por Notas & Informações
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Se, por hipótese, o presidente da República deseja utilizar o Dia Internacional da Mulher para conceder indulto a determinadas mulheres presas, trata-se de exercício de uma competência constitucional, de natureza política, própria do Poder Executivo. Já o Judiciário não dispõe dessa discricionariedade. Ele apenas aplica a lei e, no seu exercício jurisdicional, evita todo e qualquer indício de conotação política, como forma de preservar e fortalecer a sua autoridade. Afinal, a Justiça não é órgão político e nunca deve atuar movida por razões políticas – por mais louváveis que possam ser suas intenções.

Errou, portanto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao utilizar o 8 de Março para soltar 149 mulheres que haviam sido presas por envolvimento nos atos criminosos do 8 de Janeiro.

Ninguém discute que essas mulheres deveriam ser soltas. A legislação processual é cristalina. “A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”, diz o Código de Processo Penal. Além disso, para reforçar o caráter excepcional da prisão – em consonância com o regime de liberdade da Constituição –, a lei estabelece que “o não cabimento da substituição (da prisão) por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”.

O problema foi a soltura sob pretexto do Dia Internacional da Mulher. Ou há fundamento legal para alguém estar preso ou não há, simples assim. E, se não existe, ninguém deve ficar nem um dia a mais na prisão. A pessoa deve ser solta imediatamente. O primeiro e mais básico ato de homenagem a uma pessoa – de reconhecimento de sua dignidade – é respeitar sua liberdade.

No momento em que um juiz solta mulheres por ocasião do 8 de Março, há a afirmação implícita de que ele tem discricionariedade sobre a liberdade daquelas pessoas. Assim, a prisão preventiva deixa de ser decorrência da aplicação da lei sobre as circunstâncias concretas de cada pessoa para tornar-se um ato de vontade do magistrado: um ato discricionário. No Estado Democrático de Direito, não há prisões assim; não há juízes com esse poder.

Deve-se reconhecer que, dentro do sistema de Justiça brasileiro, o comportamento de Alexandre de Moraes, que aqui se critica, está longe de ser uma exceção. Na verdade, o problema é muito maior e mais grave. Em todo o País, há muitas prisões preventivas completamente ilegais, sem a devida individualização das circunstâncias de cada pessoa e sem a necessária fundamentação legal. Por exemplo, não raro, existem pessoas presas com base apenas em reconhecimento fotográfico, ou seja, a partir de elementos probatórios inteiramente frágeis e falhos. Verifica-se também, com frequência, um automatismo na manutenção de prisões preventivas, sem a periódica revisão de sua efetiva necessidade, como manda a lei.

Reconhecer eventuais excessos ou medidas que fragilizam a autoridade da Justiça não significa, por óbvio, desautorizar o trabalho do Judiciário, como se o País estivesse sob uma ditadura judicial. Não há nada no horizonte que fundamente minimamente essa crítica. Ao contrário. Faz parte do funcionamento normal da Justiça a prática de erros. E se isso é assim em situações corriqueiras, a falibilidade é ainda mais justificável num caso como o do 8 de Janeiro, que envolve muitas pessoas e circunstâncias absolutamente excepcionais. Seria ingenuidade supor que a necessária resposta da Justiça aos atos golpistas seria imaculada. A questão é assegurar os meios concretos para que eventuais erros sejam rapidamente corrigidos. Nesse sentido, é indispensável preservar, em todas as esferas, a garantia do duplo grau de jurisdição: que outro órgão julgador tenha a possibilidade de revisar a decisão judicial.

O Supremo teve e tem um papel fundamental na defesa da democracia. É por isso que se olha com lupa cada ato seu – para que a Corte possa continuar desempenhando, com autoridade e respeito, sua missão.