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Reféns do Pix

Alta de sequestros aponta necessidade de mais segurança nas transferências instantâneas

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Por Notas & Informações
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O aumento do número de sequestros no Estado de São Paulo, revelado pelo Estadão, é preocupante e joga luz sobre um efeito colateral e indesejado do Pix − o modo de pagamento instantâneo que popularizou as transferências eletrônicas no País. Atraídos pela facilidade com que é possível obter e movimentar dinheiro de suas vítimas, sequestradores tiram proveito do mecanismo criado pelo Banco Central. Eis um crime a ser combatido com rigor não apenas pela área da segurança pública, mas pelas autoridades do sistema financeiro.

Em 2022, a Secretaria da Segurança Pública paulista registrou 165 sequestros no Estado, a maior quantidade dos últimos 15 anos. Pior: o balanço reflete somente a realidade dos primeiros nove meses do ano − os dados de outubro a dezembro ainda serão incluídos, o que significa que o total de sequestros tende a aumentar. Vale lembrar que a extorsão mediante sequestro pode ser registrada apenas como extorsão, ficando de fora das estatísticas de sequestro. Entre janeiro e setembro de 2022, foram contabilizados 5 mil casos de extorsão.

O aumento do número de ocorrências vem acompanhado de uma mudança no perfil das vítimas, escolhidas cada vez mais de forma aleatória, muitas delas em bairros afastados de áreas nobres. Ou seja, a falta de segurança, como sempre, atinge diretamente a população mais pobre, que vive em localidades com menos policiamento − algo a ser levado em conta pela Secretaria da Segurança Pública na distribuição de seus efetivos. Outra estratégia dos sequestradores envolve o uso de aplicativos de relacionamento, com alguém da quadrilha iludindo a vítima, que é rendida ao chegar para o que imaginava ser um encontro.

Em qualquer dos casos, o modus operandi costuma ser o mesmo: o refém é mantido em cativeiro por horas, enquanto são feitas transações bancárias. Do ponto de vista dos sequestradores, conforme o pesquisador Alan Fernandes, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa modalidade de sequestro em que a própria vítima informa senhas ou faz transferências por aplicativo é mais segura do que o modelo tradicional, em que os criminosos precisam pedir resgate a terceiros.

Por óbvio, a tecnologia não é responsável pelo crime. Por trás de cada sequestro, há quadrilhas que devem ser combatidas com inteligência pelas forças policiais. Nesse sentido, o fato de que o número de presos pela Divisão Antissequestro da Polícia Civil tenha mais do que dobrado em 2022, na comparação com 2021, revela disposição em enfrentar o problema. Mas é preciso avançar também na esfera tecnológica, criando soluções que reduzam riscos e ofereçam mais segurança aos usuários do Pix. Do contrário, a atuação policial corre o risco de enxugar gelo.

Ao Estadão, o Banco Central lembrou que criminosos já se valiam de outros mecanismos de transferência eletrônica, caso da TED, muito antes do Pix. Ora, a popularização do Pix não tem precedentes. O BC sabe disso e fará bem se agir com determinação. A mesma tecnologia que facilita a vida de milhões de pessoas há de apontar caminhos para impedir que o Pix sirva à prática de crimes.