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Rodoanel é o estado da arte da incompetência

Elevação de custos, casos de corrupção, estruturas malfeitas e atrasos intoleráveis no Trecho Norte mostram tudo o que não se deve fazer quando se executa uma obra pública

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Por Notas & Informações
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Com atraso de dez anos e aumento de 79% de seu custo original, a obra do Rodoanel Norte, em São Paulo, é o estado da arte da incapacidade estatal de realizar obras no prazo acertado e pelo preço combinado. Certamente, as autoridades envolvidas nessa epopeia de desídia têm muitas e criativas explicações, todas muito plausíveis, mas o fato incontornável, seja qual for a justificativa, é que não há desculpa moralmente aceitável para tanta incompetência.

Reportagem publicada pelo Estadão, com base em estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), informa que a estimativa de custo total do Rodoanel Norte já supera R$ 12,9 bilhões. Em 2013, quando o trecho foi licitado pela primeira vez, a previsão era de R$ 7,2 bilhões. Apesar desse passivo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cumpriu promessa de campanha e realizou em março passado licitação para a retomada das obras.

O projeto vai requerer pelo menos mais R$ 3,3 bilhões para sua conclusão. Desse volume de recursos, R$ 1 bilhão sairá do Orçamento paulista e o restante, da construtora Via Appia, vencedora da concorrência pública, com direito de 31 anos de concessão da rodovia. Até o momento, porém, nada assegura que os erros do passado não venham a se repetir.

A obra permaneceu paralisada desde 2018, quando as empreiteiras responsáveis pelo seu andamento a abandonaram sob o pretexto de problemas financeiros. Mas outra razão, bem mais grave, levou o governo estadual a decretar oficialmente a suspensão dos trabalhos. Três construtoras tornaram-se alvo de investigações do Ministério Público por indícios de corrupção, fraude à licitação, desvio de verbas, organização criminosa e crime contra a ordem econômica relacionados à execução do Rodoanel Norte.

Outro descalabro foi evidenciado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em auditoria nas obras realizadas até 2018: detectaram-se nada menos que 59 falhas. Nem todas poderiam ser atribuídas ao desgaste do tempo. Pilastras desalinhadas e infiltrações em túneis devem-se exclusivamente à má execução pelas empreiteiras. Demolir e construir novamente parte dessas estruturas certamente será uma obrigação.

Não há dúvidas de que os objetivos iniciais do Rodoanel Norte ainda se mostram relevantes. Seu traçado permitirá a ligação total entre os principais eixos rodoviários que cortam o Estado de São Paulo e conectará os Trechos Oeste e Leste. Entre seus benefícios estão o de facilitar o acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos e o fluxo de cargas para o Porto de Santos e o Mercosul. Ao contornar a capital paulista, espera-se alívio no trânsito da carregada Marginal do Tietê, ao remover a circulação de 18 mil caminhões.

Ao lançar o projeto do Rodoanel que leva seu nome, em 1998, o então governador, Mário Covas, estimava a conclusão dos 177 quilômetros de estrada em 2006. Os Trechos Leste e Oeste foram entregues – com atrasos. O Rodoanel Norte sempre foi tido como o mais complicado por passar por áreas de preservação ambiental da Serra da Cantareira, ao norte da cidade de São Paulo, e por impactar uma comunidade guarani em Guarulhos. Essas questões estão resolvidas há tempos.

Ao perder-se no tempo, no entanto, o empreendimento tornou-se alvo de sua natural defasagem e de questionamentos de outras ordens. Especialistas mencionam que, com o atraso, o Rodoanel Norte terá vida útil mais curta e se verá saturado rapidamente. Também consideram alternativas de mobilidade mais sustentáveis, como a ferrovia, sobretudo para o transporte de cargas.

Apesar de seu passivo de erros e malfeitos, o Rodoanel Norte é obra contratada e está entre as que serão cobradas do atual governo paulista. As lições que deixou ao longo de dez anos aos órgãos de controle e gestores estaduais não podem nem devem ser esquecidas nem desprezadas, sob pena de erosão ainda maior de recursos públicos, naturalmente escassos, e da confiança dos cidadãos na capacidade do Estado de entregar infraestrutura condizente com a quantidade de impostos que cobra.