Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Rota perigosa

As recentes mudanças na cúpula da PM paulista sugerem que, para o governo Tarcísio, a truculência policial é o melhor caminho para proteger a população – e, de quebra, ganhar votos

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Causa inquietação a decisão do governador Tarcísio de Freitas de mudar quase toda a cúpula da Polícia Militar (PM) de São Paulo. Conforme o anúncio dos últimos dias, de uma só vez ele exonerou o subcomandante, coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, e trocou mais da metade dos coronéis da cúpula da corporação, provocando insatisfação e revolta entre oficiais. Ressalvado o fato de que é prerrogativa do governador promover trocas em postos-chave da administração estadual, inclusive nas polícias que estão sob seu comando, nada indica que a mudança tenha se dado por motivos técnicos e burocráticos ou promoções e transferências rotineiras – as chamadas “conveniência de serviço”, como argumentaram o gabinete do governador e a Secretaria da Segurança Pública, fazendo pouco da inteligência alheia.

É difícil dissociar as trocas da sensação de que está em curso uma mudança, para pior, do perfil da Polícia Militar e da própria segurança pública. Quatro coronéis promovidos fizeram carreira na Rota, a tropa de elite da PM e um dos batalhões mais letais da instituição. Agora cinco dos oito postos mais altos vêm da Rota, a começar pelo comandante-geral, Cássio Araújo de Freitas, único integrante da cúpula que foi mantido. Os coronéis que deixaram os cargos são contrários ao modo como as operações policiais na Baixada Santista vêm ocorrendo e são partidários da expansão do uso de câmeras nos uniformes dos policiais. Movidas por vingança depois do assassinato de policiais, as operações já contabilizam mais de 30 mortes por intervenção policial neste ano, número que sobe a 60 se considerado também o ano passado, quando a Secretaria da Segurança Pública deflagrou a chamada Operação Escudo. Trata-se da mais sangrenta ação da PM em mais de três décadas.

Assim como especialistas na área, os coronéis enxergam nas mudanças o peso político direto do secretário Guilherme Derrite – ele também um ex-capitão da Rota. Eis o ponto: parece evidente que as mudanças têm motivação política. Segundo tal ótica, tanto o governador quanto seu secretário parecem tratar a segurança pública não como um serviço público a ser prestado com base técnica e ancorado nas melhores evidências, e sim com os olhos de quem busca dividendos eleitorais. Convém lembrar que, antes de ser escolhido secretário, o sr. Derrite disse ser “vergonhoso” um policial que trabalhe cinco anos e não tenha “pelo menos” três homicídios em seu currículo. Para ele, policiamento tem tudo a ver com justiçamento. Foi com esse tipo de pensamento que ele se elegeu deputado federal.

A rota traçada por Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite ameaça frustrar o esforço de aperfeiçoamento da PM paulista nas últimas décadas. Depois do choque trazido pelo massacre do Carandiru, em 1992, a instituição passou a trabalhar com a preocupação de obter resultados contra o crime com base em inteligência e evidências. Houve desvios no meio do caminho, mas o fato é que, de lá para cá, práticas e indicadores melhoraram. Nos últimos anos, em especial, São Paulo vinha reduzindo os índices da letalidade policial – não só pelo uso das câmeras corporais, como também por medidas como o investimento em armas menos letais para todas as patrulhas, a criação de comissões de mitigação de risco e apoio psicológico aos policiais. Os efeitos foram positivos para a população. Em 1999, por exemplo, o Estado registrava 44 homicídios por 100 mil habitantes; em 2022, esse número caiu para 8,4.

Esse esforço está em risco diante uma visão de fácil apelo a uma população que se sente assustada, insegura e desprotegida. O medo é uma arma poderosa e torna sedutora a estratégia do espetáculo, do endurecimento e da difusão de uma mentalidade de aniquilação de criminosos. A estratégia mais eficiente, que poupa vidas e respeita o Estado Democrático de Direito, não gera tanta visibilidade e muitas vezes é confundida com leniência com os criminosos. Há quem prefira transformar cadáveres em votos.