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Saneamento no caminho certo

Questionado pelo novo governo, o marco do saneamento sintonizou o Brasil às melhores práticas internacionais. Resultados dos últimos dois anos mostram que ele funciona

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Por Notas & Informações
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A comparação internacional revela a dimensão do problema do saneamento no Brasil e a complexidade dos desafios que o País precisa enfrentar para atingir a meta da universalização.

Segundo o ranking da JMP global database, uma parceria da Organização Mundial da Saúde e do Unicef, entre cerca de 130 países, o Brasil está na 85.ª posição na oferta de água potável, com 86% da população atingida, e na 76.ª posição em esgoto tratado, com 49% da população. Por trás das cifras há uma catástrofe humanitária. Em termos absolutos, são cerca de 35 milhões de brasileiros sem água e 100 milhões sem esgoto. Em relação a este último quesito, por exemplo, o Brasil não está atrás apenas dos países desenvolvidos, mas de países em desenvolvimento como Jordânia, Turquia, Butão ou Senegal, incluindo vizinhos como Chile, Peru, Paraguai, México e Bolívia.

“A experiência internacional reforça a noção de que não há um modelo único para o sucesso”, aponta o estudo da Confederação Nacional da Indústria Comparações Internacionais: Uma agenda de soluções para os desafios do saneamento. “É possível, contudo, identificar três ingredientes fundamentais para o desenvolvimento do setor: planejamento, regulação e gestão. Para desenvolvê-los no contexto brasileiro, a maior participação do setor privado se reveste de grande importância.”

Foram precisamente essas soluções que o marco do saneamento, aprovado em 2020, buscou aportar, em pelo menos cinco pontos principais: a definição de metas para a universalização até 2033; a obrigatoriedade de licitação para todas as empresas; maior segurança jurídica para a privatização de companhias estaduais; estímulo à prestação regionalizada dos serviços; e um papel de destaque para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.

Num momento em que o novo governo assinala a intenção de reverter algumas dessas disposições, convém apontar os resultados obtidos desde a aprovação do marco.

Uma das medidas saneadoras foi obrigar as empresas a comprovar capacidade econômico-financeira ante as metas impostas. Dos municípios compelidos a apresentar comprovação, quase 40% estão em situação irregular.

Segundo o instituto Trata Brasil, entre 2016 e 2020, a média anual de investimentos foi de cerca de R$ 17,1 bilhões. As estimativas conservadoras são de que esse valor precisaria dobrar para atingir a meta de universalização. Um estudo desenvolvido pela consultoria KPMG calcula que ele precisaria quadruplicar.

A ANA tem um papel crucial. É notória a necessidade de padronizar as regras do saneamento, atualmente pulverizadas entre dezenas de agências reguladoras estaduais, regionais e municipais. O marco atribuiu à ANA a tarefa de estabelecer padrões de qualidade e eficiência, regulação tarifária, critérios para a contabilidade regulatória, mediação de conflitos e a metodologia para a comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas contratadas. Para tanto, seria necessário ampliar sua capacidade técnica e capacitar seus quadros, com a precondição de que eles sejam independentes e livres de pressões políticas ou econômicas. Por isso, preocupam as manobras do governo para transferir as atribuições da ANA à administração direta.

Em apenas dois anos do marco, já foram realizados 21 leilões de concessões no setor. A Abcon, uma associação de concessionárias privadas, estima que foram beneficiados cerca de 24 milhões de pessoas em 244 municípios, com investimentos da ordem de R$ 82,6 bilhões. Só em 2021, mesmo sob o impacto da pandemia, os investimentos no setor cresceram 27% em relação ao ano anterior, e os investimentos privados tiveram alta de 41%. Os leilões esperados para 2023 devem gerar R$ 24,4 bilhões em investimentos.

O marco do saneamento é resultado de um longo processo de deliberação que consumou o processo de modernização iniciado com a Lei 11.445 de 2007. Obviamente, ele é passível de aprimoramentos. Mas os resultados até o momento mostram que ele está no caminho certo.