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Sem derrotismo na segurança pública

Dramática, a crise de violência tem causas que não são de agora. Urge desenhar e implementar uma estratégia que enfrente coordenada e responsavelmente o problema

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Por Notas & Informações
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Na edição de 7 de novembro do podcast Estadão Notícias, sobre a GLO decretada pelo presidente Lula da Silva e os desafios no combate à violência urbana no País, a economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV, contestou o pessimismo de fundo que, muitas vezes, permeia o debate sobre segurança pública. “Eu sou muito otimista. A gente tentou muito pouco. A gente não fez quase nada em termos de política de segurança para a gente dizer que não conseguiu”, disse Joana Monteiro.

Trata-se de aspecto fundamental para melhorar a segurança pública. Se existe a percepção de que muito se fez, nada deu certo e, portanto, nada no futuro dará certo, a consequência imediata é tornar os governantes irresponsáveis pelo problema, que seria insolúvel.

Joana Monteiro não reduziu a gravidade da situação. A violência urbana que se vê hoje no Brasil com a presença de grupos criminosos “é um dos principais problemas de violência do mundo”, avaliou. Além disso, não se trata de uma crise momentânea, mesmo que às vezes haja casos mais dramáticos, como o incêndio de dezenas de ônibus no Rio de Janeiro por grupos milicianos. A crise que se vê hoje está presente há mais de 30 anos. E, precisamente por isso, “a gente não precisa de um esforço temporário. A gente precisa de um esforço permanente nas causas do problema”.

Enfrentar o problema pressupõe conhecê-lo. Hoje, ele não é apenas o tráfico de drogas. No Rio de Janeiro, por exemplo, há grupos criminosos exercendo uma série de atividades econômicas. “O problema central é o controle do território” por esses grupos, o que só é possível “porque existem atores estatais colaborando com isso, sejam eles na polícia, nos órgãos de justiça, nas prefeituras. Se a gente não encarar esse problema como ponto central, a gente não vai sair do lugar.”

É preciso também conhecer as causas dessa situação. Segundo a pesquisadora da FGV, a exploração desses territórios por grupos criminosos – “que têm poder de coerção sobre a população e exploram uma série de atividades que são monopólios locais” – tem três pilares: o acesso a armas de alto calibre, o poder de matar com alta taxa de impunidade e a conivência de diversos atores estatais. Por exemplo, mais do que uma ação pontual de seis meses em alguns portos e aeroportos – como dispôs o decreto do governo federal –, as Forças Armadas podem contribuir muito com o controle de armas de fogo, disse Joana Monteiro.

Para enfrentar corretamente o problema, é preciso uma estratégia de segurança pública, o que o País ainda não tem. Recorrentemente, os governos fazem promessas e apresentam planos genéricos, que depois não são regulamentados e, menos ainda, realizados. O diagnóstico é de que o poder público, em suas várias esferas, não sabe aonde quer chegar e não sabe o que está fazendo. “É uma bateção de cabeça sem fim e, por isso, é tão fundamental que o governo federal desenhe uma governança, para parar essa bateção de cabeça, na qual cada um faz uma coisa”, avaliou a pesquisadora da FGV.

Ao mesmo tempo, especialmente na comparação com outros países da América Latina, “é preciso dizer que a gente tem ainda uma capacidade estatal muito forte, ainda tem muita resistência nas instituições”, disse Joana Monteiro. Ou seja, formular uma estratégia responsável de segurança pública inclui conhecer de forma muito realista o problema a ser enfrentado e os meios dos quais se dispõe para realizar essa tarefa.

É equivocada a ideia de que o poder público está todo corrompido. O que é necessário é “debruçar-se para entender como separar o joio do trigo de todas as instituições, e não só nas polícias”. Referindo-se a casos de conivência de membros do Judiciário com a criminalidade, disse a pesquisadora da FGV: “A pessoa sai impune, sem nem ser questionada. O máximo que vai acontecer com ela é ganhar uma aposentadoria paga pelo nosso contribuinte”.

Não há motivo para o derrotismo, mas, sim, há muito a fazer. E é urgente fazer bem feito, com responsabilidade.