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Tombamento que arruína

Se a ordem de proteger o patrimônio acelera sua destruição, o processo precisa mudar

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Por Notas & Informações
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A iminente demolição do “casarão das muletas”, como ficou conhecido um palacete do bairro Bela Vista, um dos mais tradicionais do centro de São Paulo, é a imagem do desprezo pela preservação histórica e cultural. Longe de ser um caso isolado, a degradação posterior ao tombamento, em especial de imóveis particulares, tem sido uma constante nas últimas décadas em grandes centros, regiões turísticas e cidades históricas pelo Brasil afora.

O caso do palacete paulistano, com suas vigas de sustentação que mal equilibram uma estrutura que ameaça desabar a qualquer momento – e já condenada pela Defesa Civil –, é apenas mais um exemplo extremo do descaso. Não é difícil encontrar outros pelas ruas do Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, na própria São Paulo e outras capitais brasileiras. A lista seria interminável. E é justamente essa recorrência que suscita um olhar mais atento para o descaso que já se tornou lugar-comum.

Tombamento é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural mais conhecido, como nos ensina a descrição apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Pode ser determinado tanto pelo governo federal quanto por Estados e municípios, e o que se espera com a decisão é que aquele bem, de excepcional valor, seja conservado para que sirva de legado às gerações futuras. Por óbvio, para isso é preciso manter em tutela contínua o estado de preservação.

Ora, tome-se como modelo o tal casarão que, literalmente, tomba um pouco mais a cada ano. Desde que a resolução do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio de São Paulo o incluiu no elenco de bens tombados, em dezembro de 2002, sete prefeitos, dos mais diversos matizes político-partidários, passaram pelo Edifício Matarazzo. Ao longo desses 21 anos, não se constatou qualquer sinal de efetiva e produtiva fiscalização. O que houve foram paliativos, como a instalação de escoras de ferro, um toldo plástico para esconder a deterioração e mais vigas, desta vez de madeira. E, agora, afinal, a demolição foi anunciada, porque a casa se tornou irrecuperável.

Quando os tombamentos rumam para resultados totalmente opostos ao seu fim, que é justamente o de evitar a destruição, é sinal de que é preciso reformular o processo. No caso dos imóveis particulares, não raro a ordem de proteção é mal recebida pelos proprietários, que veem na medida um engessamento de seu patrimônio, tanto pelas exigências em relação a quaisquer alterações ou reformas quanto pela desvalorização imobiliária que costuma ocorrer.

Negociações sobre eventuais desapropriações poderiam ser a solução mais justa e adequada para esses casos. O “casarão das muletas”, que já pertenceu a uma das tradicionais famílias paulistanas, é hoje propriedade de uma empresa que não cumpre sequer com a obrigação do pagamento de impostos. Em casos assim, cabe ao poder público pleitear os imóveis. Por vezes, a deterioração é intencional, para aproveitar do terreno depois da ruína.

Em resumo, é preciso que haja revisão do processo de tombamento e a fiscalização posterior, para que o patrimônio a ser preservado realmente o seja.