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Um abecedário dos erros na educação

Como mostra a OCDE, o Brasil não gasta pouco com ensino, gasta mal. Recursos públicos são mal geridos e o País não tenta alternativas a um sistema estatal manifestamente fracassado

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Por Notas & Informações
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Um dos raros consensos no Brasil, à esquerda e à direita, entre ricos e pobres, é sobre a importância da educação para o crescimento, a inclusão social e uma democracia vibrante. Apesar disso, o ensino é sofrível. Entre 80 países do programa de avaliação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está na 59.ª posição em leitura; 67.ª em ciências; e 73.ª em matemática. O Panorama da Educação da OCDE, um fórum das democracias mais ricas e educadas, evidencia que o problema não está na quantidade do gasto, mas na qualidade: os investimentos públicos do Brasil em educação correspondem a 5% do PIB, acima da média da OCDE de 4,1%. O País não gasta pouco. Gasta mal.

Há um problema de distribuição. O Brasil investe no ensino superior público quase US$ 14.800 ao ano por aluno, o mesmo valor da média da OCDE. Já na educação básica, são US$ 3.583, enquanto a média é de US$ 10.949.

O País fabricou um sistema de transferência de renda às avessas: os pobres têm um péssimo ensino público básico, e os ricos gozam de um bom ensino público superior. As cotas mitigaram essa perversidade. Mas, mesmo admitindo-se que os bônus da diversidade nas universidades públicas e dos benefícios para os cotistas não comportam o ônus da queda de qualidade, o impacto para a inclusão social é marginal. No Brasil, só 17% dos jovens cursam o ensino superior; entre estes, só 14% estão em instituições públicas; e, entre estes, menos da metade são beneficiados por cotas. Ou seja, a esmagadora maioria ingressa na vida civil e profissional só com as péssimas ferramentas do ensino básico.

A crise da educação básica, diga-se, é uma crise do ensino público. Alunos de escolas privadas têm desempenho similar ao dos norte-americanos.

O País precisa debater uma melhor distribuição de recursos do ensino superior para o básico. É razoável, por exemplo, que alunos ricos das universidades públicas contribuam com mensalidades. Além disso, universidades podem buscar outras fontes de receita, como parcerias com a iniciativa privada. Mas, mesmo com mais recursos para a educação básica, resta o problema da gestão.

Há tempos o Brasil entendeu que serviço “público” não é sinônimo de serviço “estatal”. Da infraestrutura à energia ou à cultura, há inúmeros casos de serviços públicos geridos ou executados com menos custo e mais qualidade por entes privados. Cerca de 50% dos atendimentos do SUS e 70% dos casos de alta complexidade são prestados por hospitais privados. Os vouchers do ProUni permitiram a milhares de jovens pobres se matricularem em universidades privadas. Mas no ensino básico – por inércia, preconceito ou interesses corporativos – não há experiências de parcerias público-privadas. Na média europeia, por exemplo, escolas privadas recebem 50% dos investimentos públicos, seja em bolsas ou contratos.

Não se trata de trocar um estigma por outro. Há boas escolas estatais e em muitos locais elas são a única opção. No geral, contudo, a educação estatal está grosseiramente aquém dos recursos investidos. Por que, então, não experimentar um sistema plural? Por que não testar alternativas para o investimento público, como contratualizações de gestão com organizações sociais ou bolsas em escolas privadas?

Há ainda outro déficit: só 11% dos alunos do ensino médio brasileiros estão em cursos técnicos, enquanto a média dos países ricos é de 44%. Mesmo assim, esses países estão focando ainda mais nessa modalidade, que, emblematicamente, é o tema central do Panorama de 2023: “O ensino profissionalizante será chave para satisfazer as crescentes demandas por trabalhadores qualificados e se adaptar às transformações do mercado de trabalho”, diz a OCDE.

Com recursos tão mal distribuídos e aplicados, não surpreende que o Brasil acumule outro recorde deplorável: entre os brasileiros de 18 a 24 anos, 24,4% não estudam nem trabalham, enquanto a média na OCDE é de 14,7%.

É hora de o País promover uma discussão despolitizada, serena, baseada em evidências sobre um melhor emprego para os recursos em educação.