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Um ano sem intervenções no câmbio

Autonomia formal do BC permitiu à instituição retomar o controle da inflação por meio da taxa básica de juros, sem ter de recorrer a intervenções cambiais para conter expectativas

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Por Notas & Informações
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No ano passado, o Banco Central (BC) não realizou intervenções no mercado cambial. Pode parecer algo normal, mas foi a primeira vez que isso ocorreu desde 1999, quando o País adotou o regime de câmbio flutuante. A informação foi revelada pelo Valor, com base no cruzamento de dados sobre a atuação da autoridade no mercado de câmbio e os comunicados divulgados pela instituição.

Excetuando-se os leilões de rolagem que já estavam previstos no cronograma do BC, não houve, ao longo de todo o ano de 2023, anúncios de contratos de swap cambial, compra ou venda de dólares à vista ou novos leilões de linha, ou seja, de venda de dólares com compromisso de recompra.

Como mostrou o jornal, há boas razões para justificar esse comportamento. O BC explicou não ter identificado disfuncionalidades que justificassem uma intervenção. De fato, o saldo comercial positivo, em razão das exportações de commodities, ocasionou um forte fluxo de entrada da moeda norte-americana, e o dólar, embora saído de R$ 5,27 no início do ano para R$ 4,85 no fim de 2023, apresentou baixa volatilidade.

O histórico de atuação do BC no mercado cambial mostra o quanto momentos como este são raros e, por isso mesmo, devem ser compreendidos e celebrados. Em alguns períodos dos últimos 25 anos, chegou-se a contar as intervenções na casa das centenas, como em 2014, auge da série, com 492 ações, a maioria swaps cambiais para conter a desvalorização do real ante o dólar.

À época, no cenário externo, o dólar ganhava força com a perspectiva de aumento dos juros norte-americanos; internamente, havia uma percepção de piora das condições fiscais. O BC, no entanto, mantinha os juros inalterados desde abril, e só elevou a Selic em outubro, decisão que surpreendeu o mercado e alimentou rumores sobre a interferência do governo na instituição. Fazia apenas três dias que a presidente Dilma Rousseff havia sido reeleita.

A título de comparação, em 2022, também um ano eleitoral, o BC só interrompeu o ciclo de alta dos juros em setembro, dando fim a um ciclo de 12 aumentos consecutivos que havia sido iniciado em março de 2021. Naquele ano, a autoridade monetária realizou 14 intervenções cambiais – o segundo menor número desde 1999.

É evidente que há muitas outras condições a serem consideradas para fazer uma avaliação sobre o trabalho do Banco Central nesses dois períodos. Mas há uma, em especial, que não pode ser desconsiderada: a autonomia do BC, em vigor desde fevereiro de 2021.

A autonomia formal deu força para o BC combater a inflação, objetivo que é sua função precípua. E, para fazê-lo, a principal e melhor arma à mão da autoridade monetária é a taxa básica de juros. A Selic elevada, por óbvio, também contribuiu para aumentar o diferencial de juros e para atrair capital estrangeiro para o País.

Além da Selic, os leilões que o BC faz no mercado cambial também podem ser usados como um instrumento para conter as expectativas – e, como era muito comum no passado, para tentar impedir o aumento da inflação. Assim, se o BC não recorreu a eles, é também porque foi muito bem-sucedido ao conter a inflação e trazê-la de volta à meta.

Mesmo na área fiscal, uma das principais áreas consideradas pelo BC no acompanhamento da inflação, os riscos foram menores do que o esperado. A aliança entre o Congresso e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu caminho para a aprovação do arcabouço fiscal, da reforma tributária e de todas as medidas que o ministro defendia para recuperar receitas.

Esses riscos poderiam ser ainda menores, não fossem os discursos do presidente Lula da Silva contra a responsabilidade fiscal e o boicote de parte da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) à agenda do ministro Haddad.

Nem os membros do PT nem Lula da Silva vão admitir, mas a retomada do controle da inflação e a estabilidade cambial não teriam sido alcançadas se o BC não tivesse tido condições de atuar de forma livre, ignorando a pressão do governo pela redução forçada da taxa básica de juros. E isso é consequência da autonomia formal conquistada pelo Banco Central.