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Um avanço pela metade

A exclusão de agricultura e pecuária reduziu a abrangência do mercado regulado de carbono no Brasil, mas não diminuiu a importância da medida

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Por Notas & Informações
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A criação do mercado de carbono, aprovada pela Câmara, foi um avanço pela metade ao referendar a exclusão de agricultura e pecuária, como havia determinado o Senado. Mesmo assim, foi um dos principais saldos positivos do Legislativo em 2023 por destravar um projeto fundamental para que o País cumpra as metas de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa assumidas no Acordo de Paris, em 2015.

Sem a concessão à agropecuária, certamente a discussão, que se arrastava lentamente, não teria sido concluída, com a aprovação do PL 412 por 229 a 103 votos na Câmara. Afinal, com 324 dos 513 deputados federais e 50 dos 81 senadores, a Frente Parlamentar Agropecuária é a mais numerosa do Congresso. Portanto, foi a solução possível. E não foi pouca coisa.

O setor agropecuário continuará participando do mercado voluntário de carbono, que consiste, por exemplo, na compra e venda de créditos de carbono atrelados à redução de desmatamento ou a reflorestamento, mas sem a necessidade de seguir as obrigações impostas na legislação. O argumento dos produtores é de que não há como medir ou controlar segmentos importantes da atividade.

O argumento não é despropositado, a despeito das críticas de ambientalistas. De fato, uma pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) já apontou como externalidade negativa da pecuária a participação do gado em mais de 40% das emissões de gases do efeito estufa (GEE). No mundo, as estimativas são de que o rebanho bovino, por causa da grande quantidade de animais, emita em torno de 9% do total desses gases. A particularidade do Brasil é que aqui agricultura e pecuária estão entre as principais atividades econômicas.

O acordo que levou à aprovação, em outubro do ano passado, por unanimidade, do projeto na Comissão de Meio Ambiente do Senado, sem a necessidade de submetê-lo ao plenário da Casa, foi o meio encontrado para fazer avançar no País a agenda ambiental. Na Câmara, o deputado Aliel Machado (PV) tentou reinserir o setor agro entre os agentes do mercado regulado, mas acabou convencido de que o melhor caminho era optar pela evolução possível.

Com a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa o Brasil ingressará – com atraso, é verdade – num mercado que reúne, de acordo com dados do Banco Mundial, países como Estados Unidos, China, Japão, México e Canadá e que rendeu, em 2022, R$ 56 bilhões de receita. De acordo com o banco, o Brasil tem potencial para gerar receitas de R$ 128 bilhões em dez anos. Mas a principal vantagem será o incentivo à adoção de modelos mais sustentáveis de negócios, uma aposta certa, com ou sem o agronegócio.

O Brasil tem o privilégio de contar com parcela significativa de geração de energia renovável (hidrelétrica, eólica, solar). De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) 47,4% da energia produzida é limpa, enquanto a média mundial está em torno de 15%. A instituição de um mercado que servirá para conter o aumento de emissões, por meio de compensações com a aquisição de créditos entre os setores e com o governo, tem potencial para empurrar o País à vanguarda ambiental, apesar de todas as concessões.

O mercado regulado é apenas um dos instrumentos da campanha que move o mundo na busca pela redução dos efeitos climáticos nocivos dos gases jogados na atmosfera – efeitos cada vez mais assustadoramente presentes, como as ondas de calor e o derretimento das calotas polares, fenômenos que colocam em risco a própria existência no planeta.

Fixar um preço para o carbono dá o sinal econômico para que os emissores transformem suas atividades para reduzir a poluição. Ou paguem por isso. Estarão sujeitos à compra ou ao pagamento de pesadas multas aqueles que emitirem acima de 25 mil toneladas de gás carbônico por ano, em torno de 5 mil empresas brasileiras. Mas apenas no fim da década a regulação será efetiva. E aí virá a parte mais importante e também mais difícil de concretizar no Brasil: a fiscalização.