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Um legado sinistro para o novo governo

Preços disparados, juros altos e baixo crescimento podem durar pelo menos até o meio do próximo mandato presidencial

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Por Notas & Informações
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A herança macabra deixada para o próximo governo incluirá inflação acima da meta, juros muito altos e economia emperrada, segundo projeções do mercado. As expectativas, muito ruins desde o começo do ano, pioraram depois da invasão da Ucrânia, em reação à insegurança criada pelo autocrata Vladimir Putin e aos possíveis efeitos das sanções à Rússia. Já confrontado com enorme desarranjo de preços, o Brasil terá de enfrentar um caminho mais longo e mais difícil em busca da estabilização, de acordo com as últimas avaliações. Em uma semana subiu de 12,25% para 12,75% a taxa básica de juros prevista para o fim do ano. As estimativas para os dois anos seguintes – metade do mandato do próximo presidente – também se elevaram, atingindo 8,75% e 7,5%.

São números sinistros para quem tiver a pretensão de administrar o Brasil e conduzi-lo para fora da estagnação. Não é o caso do presidente Jair Bolsonaro e de seus companheiros, concentrados em medidas improvisadas, concebidas para efeitos eleitorais, com elevado custo fiscal e, na melhor hipótese, inúteis para a prosperidade e a saúde econômica.

Convertida em pandemia, a inflação poderá afetar a atividade financeira em várias economias importantes, dificultando a redução ou favorecendo a elevação de juros. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) tem de enfrentar uma alta de preços de 7,9% acumulada em 12 meses, a maior em quatro décadas. No Brasil, um surto inflacionário com taxa de 10,54% no período anual até fevereiro está na lista de problemas da autoridade monetária.

Nesta quarta-feira os bancos centrais dos dois países devem anunciar novas decisões sobre as taxas de referência. O Fed poderá iniciar um ciclo de aumentos, com um primeiro acréscimo de 0,25 ou 0,50 ponto porcentual. Neste momento, os juros básicos nos Estados Unidos estão na faixa de zero a 0,25%. No Brasil, a taxa básica, a Selic, deverá subir de 10,75% para 11,75%, segundo a maior parte das apostas.

De qualquer forma, a subida, de acordo com as apostas do mercado, deverá continuar, no Brasil, até 12,75%. Para cuidar dos problemas internos será preciso olhar também para fora. Qualquer aumento nos Estados Unidos poderá afetar o fluxo internacional de capitais e o mercado cambial. Isso limitará as ações dos bancos centrais no mundo emergente, dificultando, por algum tempo, qualquer suavização da política monetária.

Para afrouxar sua política, no entanto, os dirigentes do Banco Central terão de renunciar ao compromisso de levar a inflação à meta oficial até o fim do próximo ano. Essa mudança será justificável se o custo do ajuste – perda de crescimento econômico e prolongamento do desemprego – for considerado excessivo em relação aos benefícios.

As famílias serão triplamente afetadas pela inflação: 1) a alta de preços, muito sensível nas compras do dia a dia, continuará erodindo os ganhos de quem ainda tiver uma fonte de renda; 2) o custo do dinheiro, elevado pelo aperto monetário, tornará mais difícil o acesso a novas compras a crédito; e 3) financiamentos até para a liquidação de obrigações já assumidas poderão ser menos acessíveis. Os consumidores, principalmente os de baixa renda, serão afetados pela doença, a acelerada alta de preços, e pela medicação, os juros mais elevados.

Pelas projeções do mercado, a taxa básica de juros ainda estará em 7%, em 2025, terceiro ano do novo mandato presidencial. A inflação ficará em 3%. A meta para 2025 ainda é desconhecida. A inflação estimada para 2022 acaba de passar de 5,85% para 6,45% (meta de 3,50%). A taxa projetada para 2023 subiu de 3,51% para 3,70% (meta de 3,25%). A estimativa para 2024 subiu de 3,10% para 3,15% (meta de 3%). Diante disso, dos juros previstos e do escasso potencial produtivo do Brasil, o mercado estima crescimento econômico de 0,49% neste ano, 1,43% no próximo e 2% nos seguintes. São prazos muito longos e problemas muito distantes para a visão e os interesses do presidente Jair Bolsonaro, de seus ministros e de seus sempre caríssimos aliados do Centrão.