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Um novo olhar para o ensino técnico

Relegado injustamente à ‘segunda divisão’, o ensino técnico tem potencial para reduzir desigualdades, transformar muitas vidas e habilitar o País para a quarta revolução industrial

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Por Notas & Informações
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A falta de mão de obra especializada bloqueia o avanço da automação e entrava a produtividade no Brasil. Apesar de a modernização de sistemas e equipamentos estar ocorrendo na indústria nacional – ainda que de forma mais lenta do que o necessário –, a escassez de profissionais aptos a operá-los dificulta a evolução tecnológica.

“É como dirigir uma Ferrari só em terceira marcha”, disse ao Estadão o sócio da consultoria KPMG Luiz Sávio em relação à falta de preparo para o aproveitamento de tecnologias de última geração, como a rede 5G de banda larga. Nos setores mais inovadores, como agroindústria, robótica, saúde e automotivo, muitas vezes há equipamentos de ponta subutilizados.

O hiato profissional está diretamente ligado a outro grave problema que demanda solução improtelável: a negligência em relação ao ensino técnico. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), sua denominação oficial, é uma modalidade habitualmente relegada à condição de “segunda divisão” do ensino nacional, quando deveria ser prioridade em um país que busca protagonismo econômico e redução da desigualdade social.

Como já foi dito e reiterado neste espaço, é urgente a expansão do ensino técnico, cursado no País por apenas 10% dos alunos do ensino médio, enquanto a média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de cerca de 40%.

Ampliar essa participação é crucial, especialmente num momento em que o mundo assiste a uma verdadeira revolução nas relações profissionais decorrente do processo de inovação tecnológica. A profusão de novas atividades produtivas segue em ritmo vertiginoso, enquanto outras profissões rumam para a obsolescência com velocidade assustadora no que se convencionou chamar de quarta revolução industrial, ou indústria 4.0.

A recente aprovação da lei que estabelece novas diretrizes para a política de Educação Profissional e Tecnológica, depois de quase cinco anos tramitando no Congresso, é um passo para a valorização dos cursos técnicos e profissionalizantes. Ao promover a integração com o ensino médio e o superior, com aproveitamento de créditos de áreas afins, a nova lei fortalece o ensino técnico.

A conexão da educação juvenil com o mundo real, com as alternativas profissionais do mercado e a qualificação tecnológica carrega, ao longo do tempo, potencial considerável de ascensão em diversas direções, desde a redução das estatísticas de evasão escolar até a elevação da qualificação e renda do trabalho. E o País precisa com urgência subir a qualidade desses indicadores.

Como mostrou pesquisa recente da OCDE com 37 países, 36% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos não têm ocupação formal. Somente a África do Sul registrou índice pior do que este na chamada “geração nem-nem”, que não estuda nem trabalha. Em um país onde a população jovem (pelos critérios do IBGE, pessoas entre 15 e 29 anos) representa, de acordo com o último Censo, 23% da população, ou 47 milhões, esta é uma realidade que precisa mudar.

Derrubar o preconceito contra o ensino técnico e incentivar e facilitar os canais de acesso aos cursos, com política pública específica, é dever do Estado e da sociedade. Ampliação das matrículas e campanhas de incentivo à participação nessa modalidade, adaptação da grade curricular à nova realidade profissional, articulação com atividades acadêmicas de pesquisa e inovação: são muitos os caminhos a serem percorridos.

É preciso retirar da educação profissional o estigma de formação menor que injustamente carrega há décadas. Como se ela estivesse destinada a jovens inaptos a uma graduação universitária. Pelo contrário. É a capacitação técnica que vem definindo o futuro dos jovens. A profissionalização não pode e não deve servir de impedimento para a continuidade da vida acadêmica.

A lei recém-sancionada fixou o período de dois anos para a elaboração e implementação da política nacional para o ensino técnico. É fundamental que o prazo seja de fato cumprido. O País já perdeu muito tempo.