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Uma aula de injustiça social

Ao reduzirem imposto sobre herança, deputados estaduais vão na contramão dos raros consensos da reforma tributária

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Por Notas & Informações
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No apagar das luzes do ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto de lei que reduz a tributação sobre heranças e doações. A proposta diminui a alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) dos atuais 4% para 1%, para heranças, e a 0,5%, para doações. A mudança foi aprovada na noite do dia 21 de dezembro, em meio a outros 78 projetos e sem um debate mínimo. O caso ilustra bem como as desigualdades brasileiras não são mero acidente, mas uma construção intencional.

A Constituição de 1988 deu aos Estados a competência para instituir o imposto sobre transmissão de propriedade. É possível chegar a até 8%, mas, na maioria dos casos, a alíquota é de 4%. Há casos de imunidade e isenção, quase sempre quando o valor do bem é baixo; na outra ponta, famílias abastadas e que fazem planejamento sucessório conseguem se livrar do pagamento do tributo. Por essas razões, o ITCMD já não poderia ser considerado uma cobrança de amplo alcance. Ainda assim, as mudanças aprovadas pelos deputados podem reduzir a arrecadação anual do Estado em R$ 4 bilhões.

Exemplos, mais do que números, são capazes de expressar a relevância desse valor. São Paulo precisará de R$ 4 bilhões para financiar as atividades da Universidade Estadual Paulista (Unesp) por um ano. Com R$ 4 bilhões de sobra, o Estado poderia quadruplicar a verba para o ensino integral na rede estadual em 2023. Chama a atenção, portanto, que a Assembleia Legislativa tenha tão facilmente aberto mão da arrecadação com o ITCMD, mas não tenha considerado a renúncia na deliberação, ocorrida um dia antes, sobre o orçamento estadual.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo, evidentemente, recomendou o veto ao governador eleito Tarcísio de Freitas, e tudo indica que ele acatará tal orientação. Em termos fiscais, o problema deve ser resolvido, mas as questões de fundo que esse debate levanta estão muito distantes de ser devidamente endereçadas. Afinal, o projeto, aprovado a toque de caixa, é a verdadeira antítese do que os maiores especialistas em tributação defendem no País e no mundo.

Se há divergências sobre como uma reforma tributária deve ser conduzida, há um raro consenso a unir todos os estudiosos do sistema: no Brasil, paga-se muito imposto sobre o consumo e pouco sobre o patrimônio. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera que a taxação sobre heranças é “o imposto certo na hora certa”, pelo baixo custo de implementação e por gerar menos distorções que outras cobranças sobre grandes fortunas.

Segundo a organização norte-americana Tax Foundation, países ricos – e mais igualitários – cobram um imposto sobre heranças muito mais alto que a média nacional. No Japão, a alíquota corresponde a 55%; na França, a 45%; e nos Estados Unidos e no Reino Unido, a 40%. Os deputados paulistas, portanto, fizeram bem mais do que aprovar uma bomba fiscal. Deram uma lição sobre como ampliar injustiças e consolidar desigualdades sociais de forma prática.