Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Uma mistura tóxica

O risco de estagnação, de inflação e de medidas populistas escurece o cenário de 2022

Exclusivo para assinantes
Por Notas&Informações
2 min de leitura

Com a mistura de tensão política, crise hídrica, incerteza eleitoral, inflação em alta, produção emperrada e novas pressões internacionais, o poder federal terá de fazer um esforço incomum para evitar a estagflação em 2022. Diante do novo perigo, o presidente Jair Bolsonaro poderá mais uma vez ampliar seu vocabulário, indagando a algum assessor o sentido da palavra “estagflação”. Também poderá pedir auxílio por alguma rede social, como fez em 2019, quando perguntou o significado de “golden shower”.

A combinação de baixo crescimento e inflação elevada é preocupação corrente no mercado. Essa preocupação foi reforçada pelos dados do segundo trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 0,1%, pela fraca evolução dos negócios nos meses seguintes e pela intensificação da alta de preços. Por enquanto, a economia se recupera da retração de 2020, quando a atividade foi severamente prejudicada pela pandemia.

“Quando essa energia da recuperação da atividade reprimida se exaurir, tenho quase certeza de que voltaremos ao crescimento medíocre de antes”, disse o chefe de pesquisa macroeconômica do Banco Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, citado no Estado. O Plano Real ficou incompleto e desde os anos 1990 o Brasil tem experimentado baixo crescimento e inflação superior aos padrões de outros países, lembrou o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, mencionado na mesma reportagem.

Mas o quadro, pode-se acrescentar, agravou-se há alguns anos. Depois da recessão de 2015-2016, a recuperação começou com taxas inferiores a 2% em 2017 e 2018 e desempenho ainda mais fraco em 2019 e no começo de 2020, antes da pandemia. A retomada, a partir de maio do ano passado, tem propiciado apenas a reposição das maiores perdas, sem sinais de dinamismo. A isso se acrescentou uma acelerada alta de preços, com efeito acumulado de 9,68% nos 12 meses até agosto.

A inflação tem refletido fatores externos e internos, como as cotações internacionais dos alimentos e dos minérios, incluído o petróleo, e os danos causados pela estiagem, como as perdas agropecuárias e a redução da energia hidrelétrica. Já se considera muito provável o prolongamento, em 2022, dos efeitos da crise hídrica.

Outros países também têm sido afetados pelas cotações internacionais e, em alguns casos, por problemas meteorológicos, mas suas taxas de inflação permanecem inferiores às do Brasil. De modo geral, suas moedas também têm sido menos desvalorizadas que o real em relação ao dólar. Esse detalhe – o câmbio – tem sido um componente constante da inflação brasileira. O preço do dólar tem permanecido muito alto, embora o País disponha de um bom volume de reservas internacionais e de contas externas em ordem. A instabilidade cambial é atribuível, claramente, à insegurança política e econômica gerada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelas incertezas sobre a evolução das contas públicas.

A maior demanda global de petróleo, prevista para o próximo ano, também poderá impactar os preços. A demanda total deve atingir 100,8 milhões de barris diários, retornando ao nível pré-pandemia, segundo estimativa da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

A economia global, de acordo com a Opep, deve crescer 5,6% neste ano e 4,2% no próximo. No caso do Brasil as previsões indicam 4,7% em 2021 (4,2% na estimativa anterior) e 2,5% em 2022.

Ao elevar a estimativa do desempenho do País em 2021 os economistas da Opep se mantiveram bem mais otimistas do que seus colegas brasileiros. No Brasil, as projeções do mercado apontam crescimento econômico de 5,04% em 2021 (5,28% quatro semanas antes) e de 1,72% em 2021. As previsões de inflação chegaram a 8% para este ano e 4,03% para o próximo. Com isso, os juros básicos esperados para dezembro chegaram a 8%, taxa prevista para durar um ano. A alta de juros, aplicada internacionalmente contra a inflação, será um obstáculo a mais ao crescimento econômico. Falta juntar a esse quadro toda a instabilidade associada a um ano de eleições.