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Vem aí a Arrozbrás

A título de baratear o arroz, o governo, tomado de saudade do controle artificial de preços nos anos 80, vai importar o produto e vendê-lo, com sua logomarca, diretamente nos supermercados

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Por Notas & Informações
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O Brasil vai importar 1 milhão de toneladas de arroz para vender o produto diretamente nos supermercados, a preços tabelados e subsidiados, em uma embalagem própria com a logomarca do governo federal. Poderia ser a principal notícia de um jornal publicado na década de 1980 – época em que se tentava conter a inflação desembestada por meio da mágica do controle de preços –, mas foi a manchete do Estadão na última terça-feira.

Essa incrível volta ao passado é mais uma realização do presidente Lula da Silva. O petista disse que ficou “nervoso” e “um pouco irritado” com o avanço dos preços do arroz nos supermercados e resolveu agir intempestivamente para evitar que as cheias no Rio Grande do Sul esvaziassem as prateleiras dos mercados. “Arroz e feijão é uma coisa que nós, brasileiros, não sabemos e não queremos abrir mão”, disse Lula da Silva.

Como se sabe, o Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz e responde por 70% do abastecimento nacional, e havia o receio de que o caos que se instalou no Sul poderia afetar a safra e levar os preços do produto às alturas. Nada disso se materializou. A escassez de arroz nas gôndolas foi algo momentâneo, fruto do pânico de parte da população, das barreiras em estradas e das dificuldades para emissão de notas fiscais no auge das inundações. Todas as questões já foram sanadas, razão pela qual os preços já começaram a recuar.

Ademais, quase toda a safra gaúcha já havia sido colhida antes das chuvas, e a própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já havia apontado que a produção deste ano iria superar a do ano passado em mais de 600 mil toneladas. Havia excedente, inclusive, para exportar o grão para outros mercados.

Mas o governo federal, movido por voluntarismo e interesses eleitoreiros, não poderia permanecer inerte. Nas últimas semanas, editou várias medidas provisórias para fazer da crise uma oportunidade política. Destinou R$ 6,7 bilhões à Conab e autorizou a estatal, pela primeira vez em sua história, a fazer a operação completa – desde a importação de arroz até a venda do produto diretamente aos supermercados.

Com essa decisão tresloucada, o Executivo conseguiu o oposto do que queria. De imediato, os preços do arroz dispararam 30% por culpa do próprio governo, que elevou artificialmente a demanda do produto ao anunciar que faria leilões públicos para comprar o equivalente a 10% do consumo anual brasileiro.

Incapaz de reconhecer o nexo causal entre uma coisa e outra, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, acusou os países do Mercosul de especular com a tragédia, gerando um incidente internacional completamente dispensável com o Uruguai. Irrefreável, o governo anunciou a isenção do imposto de importação sobre o arroz produzido fora do bloco comercial até o fim deste ano, sem ao menos ter o cuidado de estabelecer uma cota.

As entidades do setor arrozeiro pediram ao Ministério da Agricultura que revisse suas decisões, mas o apelo não comoveu o governo, a despeito dos prováveis efeitos negativos para os produtores gaúchos.

Zerar a alíquota de importação e anunciar leilões públicos sem cota já seria suficiente para desestimular plantios futuros, mas tabelar o arroz em R$ 4 por quilo, valor inferior ao preço médio do produto, vai derrubar a rentabilidade dos produtores gaúchos, sobretudo os pequenos e médios.

Entre as várias medidas que o Executivo poderia adotar para ajudar a economia gaúcha a se recuperar, o governo parece ter escolhido as piores. Não parece ser algo acidental.

O Executivo já tinha manifestado a intenção, em meados do ano passado, de intervir nos preços de alimentos por meio da retomada da política de estoques reguladores pela Conab, como destacou o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antonio da Luz, em entrevista à Globonews. Como ele mesmo disse, é até cruel utilizar a tragédia gaúcha como pretexto para fazer o que já se pretendia.

Não faltará arroz no mercado, garantem os produtores gaúchos, mas falta muito pudor ao governo federal. Agora, para completar o revival dos anos 80, só falta mesmo convocar a população a denunciar os estabelecimentos que praticarem preços mais altos.