Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Vestibular para militante

Ao exigir que vestibulandos só leiam autoras mulheres, Fuvest amesquinha exame que deveria medir o grau de conhecimento dos alunos, não seu nível de engajamento a determinada ‘causa’

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

A Fuvest, conhecida por organizar o exame de seleção para ingresso nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), renovou a lista de leituras obrigatórias para as edições de 2026, 2027 e 2028 de seu rigoroso vestibular. A nova lista é composta exclusivamente por autoras mulheres de língua portuguesa. Segundo a presidente do conselho curador da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, muitas delas – entre as quais as selecionadas, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen – “foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”. Portanto, infere-se que, com uma ofensa ao cânone literário, a Fuvest pretenda resgatá-las, digamos assim, de uma suposta obscuridade à qual teriam sido relegadas por sua condição de gênero – o que não é verdadeiro para a maioria delas, escritoras consagradas que são.

Mas ainda que todas fossem autoras desconhecidas, a decisão da Fuvest de excluir autores homens de sua lista de leituras obrigatórias representa uma imperdoável desvirtuação do processo seletivo para ingresso na USP, a melhor universidade do País e uma das melhores do mundo. Ao exigir que os vestibulandos só leiam autoras mulheres, pois, na prática, é isso o que vai acontecer, a Fuvest amesquinha um exame que deveria medir apenas o grau de conhecimento acumulado pelos alunos em seus anos de formação inicial, não seu nível de engajamento a uma determinada “causa” ou “agenda”, por mais nobres que sejam.

A ser mantida essa decisão estapafúrdia, só a partir do vestibular de 2029 é que os alunos voltarão a ter de demonstrar conhecimento sobre a obra de escritores como Machado de Assis, Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, José Saramago, Milton Hatoum, Tomás Antônio Gonzaga e Carlos Drummond de Andrade, entre tantos outros. A medida já seria extremamente problemática, pelo perigoso precedente que abre, mesmo que fosse apenas uma experiência restrita a apenas uma edição do exame. Mas, ao abolir grandes autores da língua portuguesa do rol de leituras obrigatórias para ingresso na USP durante nada menos que três anos, a fundação contribui para o envenenamento de uma discussão de fundo – as deficiências programáticas da educação básica e o baixo nível de leitura dos brasileiros – em nome de uma agenda de natureza eminentemente ideológica.

Aqui não está em questão, obviamente, o extenso rol de violências, psicológicas e físicas, a que está submetida grande parte das mulheres no Brasil e no mundo. O ponto é que um vestibular não se presta a selecionar futuros universitários por meio da avaliação de seu domínio sobre determinados discursos correntes, como é o caso do chamado “empoderamento feminino”. Isso significa impedir, desde a origem, o ingresso dos desafortunados que não os dominam. A universidade – que deveria ser o lugar mais apropriado para os grandes debates da humanidade, entre os quais, não há dúvida, está a paridade de gênero – se encaminha para ser um gueto de iniciados.

A censura imposta a autores homens de língua portuguesa na lista de leituras obrigatórias da Fuvest – pois é disso que se trata, ao fim e ao cabo – não ajuda a iluminar a necessária discussão da paridade de gênero e seus impactos nas mais variadas esferas da vida. Ao contrário, serve para limitá-la.

Para o bem dos alunos e da valorização da cultura e da educação no País, espera-se que a Fuvest reconsidere sua decisão. O cânone literário, afinal, é universal porque toca a condição humana, independentemente de quaisquer critérios, naturais ou arbitrários, que possam separar os indivíduos. É essa a compreensão que precisa ser demonstrada pelos jovens que desejam ingressar não só na USP, como em qualquer universidade – onde há de imperar o pluralismo de ideias, vozes e pensamentos, e não a exclusão.