Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Vício centralizador

Ministro quer mais poder à União na segurança, mas mudar Constituição não garante resultado

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Por Notas & Informações
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O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) defendeu a revisão do modelo de segurança pública previsto na Constituição, sugerindo maior centralização no Poder Executivo para a definição de políticas e diretrizes nacionais na área. Ele quer atribuir à União um “planejamento nacional de caráter compulsório para os demais órgãos de segurança” e defende a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado no governo de Michel Temer para servir como uma espécie de SUS da Segurança. Abandonado no mandato de Bolsonaro e nomeado como prioridade na gestão de Lula da Silva, o Susp, por ora, está malparado. Para o ministro, o modelo instituído em 1988 é incompatível com os desafios trazidos pelo crime organizado e, portanto, exige mudança constitucional, a fim de evitar, por exemplo, a compartimentação das forças policiais.

Convém separar aí o que é um diagnóstico correto do que pode resultar numa prescrição equivocada. O ministro acerta ao pregar uma atualização das forças de segurança contra o modus operandi do crime organizado, cujos tentáculos se dão em escala local, regional, nacional e internacional. Seu diagnóstico é também uma forma de reconhecer o quão atrasado está o governo federal ao lidar com a segurança pública – uma atribuição dos governos estaduais, mas um terreno onde falta à União exercer seu papel de coordenação nacional – e mais ainda no combate ao crime organizado. Não raro, especialistas enxergam um governo perdido no assunto, da gestão histriônica de Flávio Dino à discrição de Lewandowski.

Há mais, porém. O risco na pregação do ministro é a adesão a duas tentações especialmente praticadas por governos lulopetistas. A primeira é o vício da centralização federativa: a crença inabalável que planejamentos nacionais, concebidos em Brasília e submetidos às unidades da Federação, trarão eficiência, disciplina e bons resultados Brasil afora. Não vão. Ainda que se reconheça a importância de diretrizes e premissas nacionais, um país tão diverso requer adaptações e trabalho autônomo conforme as realidades locais e regionais – e mais ainda na segurança, setor cuja administração a Constituição sabiamente reserva aos governos estaduais.

O segundo vício tem a ver com a Constituição. São históricas tanto a presunção de que basta enunciar leis para que os problemas nacionais sejam resolvidos quanto a frequência com que alterações constitucionais são propostas no País, o que ajuda a tornar a Constituição uma peça sob constante emenda e retalho. Para dar vida prática ao Susp, por exemplo, basta cumprir a lei que o criou e o regulamentou. Também não é preciso emendar a Constituição para que o governo federal assuma seu protagonismo de coordenação, respeitando – como acontece na Saúde e na Educação – as funções e a autonomia federativa dos Estados. Da mesma forma, não há a necessidade de constitucionalizar a atuação pactuada e coordenada das forças federais e estaduais no enfrentamento do crime organizado.

Ademais, com as flagrantes dificuldades de articulação do governo, o risco adicional é usar as naturais barreiras de votos no Congresso para justificar a inação e a inépcia federal.