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Vista grossa para uma indecência

Lixões deveriam ter acabado em 2022, mas incêndio em lixão de Teresópolis mostra que a lei não vale nada

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Por Notas & Informações
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Do fogo que consumiu parte do aterro sanitário do Fischer, em Teresópolis (RJ), veio uma densa nuvem tóxica que transformou em noite a manhã do dia 26 passado na aprazível cidade da serra fluminense. Mas das chamas também veio a luz sobre uma indecência que se perpetua furtiva Brasil afora pelo descaso de muitos prefeitos com a lei, com o meio ambiente e com a qualidade de vida dos cidadãos sob seu governo: a vergonha dos lixões.

Por determinação inicial do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), desde agosto de 2022 não deveria haver um só lixão ou aterro a céu aberto no País. O prazo, é evidente, foi descumprido. E pela enésima vez. A meta original para o fim dos lixões no Brasil era 2014. Mas, de tempos em tempos, prefeitos acorrem a Brasília para solicitar a extensão do prazo alegando “falta de condições” para acabar com os lixões em seus municípios, como manda a lei. E são atendidos.

É de estarrecer o descaso de muitos prefeitos pelo Planares e pelo Marco Legal do Saneamento, como se fosse letra morta uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República. É igualmente de estarrecer a tolerância do próprio Legislativo com esse reiterado descumprimento. Mas não chega a surpreender; primeiro, pela ligação dos parlamentares com os prefeitos de seus redutos políticos; segundo, porque está se falando de obras que não têm potencial eleitoral imediato. Vale dizer, acabar com os lixões no Brasil nunca foi uma prioridade.

Nesse sentido, o convívio com a indignidade dos lixões é semelhante ao que ocorre, por exemplo, com a vista grossa que muitas autoridades – além de parcela da sociedade – fazem para os problemas do subumano sistema carcerário brasileiro. Malgrado os benefícios da solução de uma e outra mazela, é certo que resolvê-las não rende votos na próxima eleição.

O incêndio no lixão de Teresópolis, cujas causas ainda estão sendo investigadas, decerto não teria provocado tantos danos físicos e ambientais, por óbvio, caso o Planares tivesse sido cumprido a tempo. O risco de novos infortúnios, além da continuidade dos problemas inerentes à própria existência dos lixões, permanece altíssimo. Na mais recente romaria até a capital federal, os prefeitos foram contemplados com mais dois anos de prazo para pôr fim ao descarte a céu aberto de resíduos sólidos em seus municípios, numa relação deliberadamente enganosa entre Executivo e Legislativo que beira o escárnio com o interesse público.

Nada garante que o novo prazo será cumprido pelos prefeitos e que o País chegará a agosto de 2024 livre dos lixões que emanam doenças, mau cheiro e, principalmente, vergonha. Afinal, como um país que não consegue acabar com um problema típico de tempos idos será capaz de solucionar questões mais complexas em pleno século 21?

Registre-se, por fim, que a insensibilidade da chamada classe política para a miséria dos lixões decorre fundamentalmente da falta de mobilização da sociedade por soluções mais modernas para o descarte de seus resíduos sólidos. E assim, sem a devida atenção, porções do Brasil seguem aferradas ao atraso.