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Vitória da inteligência

Operação que desbaratou o esquema do PCC para lavar dinheiro por meio de concessões de ônibus em SP mostra que o bom combate ao crime organizado não depende só da violência

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Por Notas & Informações
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O bom combate às facções criminosas, por mais poderosas que sejam, pode ser travado sem que um só tiro seja disparado pelas forças do Estado. Não raro, são as ações de inteligência que têm provocado os abalos mais sensíveis nos negócios dessas facções – que há bom tempo operam como verdadeiras máfias no Brasil e no exterior –, e não a aposta na força bruta policial.

Foi exatamente o caso da Operação Fim da Linha, deflagrada no dia 9 passado para desbaratar um esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio do transporte público de São Paulo. Desde fevereiro, os detalhes da exploração de concessões de linhas de ônibus pelo PCC, entre outros contratos com a administração pública, têm sido revelados por uma série de reportagens do Estadão.

O sucesso da Fim da Linha – fruto de uma cooperação entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – foi materializado pelo cumprimento de 52 mandados de busca e apreensão e pela prisão de três acionistas e um contador de duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, a Transwolff e a UPBus. A Justiça também determinou o bloqueio de centenas de milhões de reais em bens dos investigados a fim de resguardar futuras reparações. Um baque e tanto nas finanças do PCC.

“Hoje (terça-feira passada) é um dia histórico para o Ministério Público de São Paulo”, disse o promotor Lincoln Gakiya, membro do Gaeco paulista e um dos mais devotados servidores públicos ao combate ao crime organizado, em particular ao PCC.

Esse desfecho só foi possível porque houve uma profícua colaboração entre as autoridades estaduais e federais. Nesse sentido, tratando-se de um esquema de lavagem de dinheiro, a participação do Cade e da Receita Federal foi determinante para apoiar as investigações do Gaeco de São Paulo. Restou evidente que, além da primazia da inteligência sobre a violência, a união de esforços entre entes federativos – respeitadas suas atribuições constitucionais, por óbvio – é fundamental para o sucesso de ações de combate a grupos criminosos cada vez mais audazes e que não reconhecem fronteiras.

Há pelo menos 30 anos, desde quando o transporte público na capital paulista começou a ser explorado de forma clandestina pelos chamados “perueiros”, já se sabia que a atividade fazia crescer os olhos dos criminosos. Afinal, está-se falando de um ramo que movimenta bilhões de reais numa metrópole como São Paulo – e boa parte em dinheiro vivo. De lá para cá, sob o beneplácito de agentes públicos por vezes incompetentes, por vezes corruptos, o negócio prosperou, digamos assim. Algumas das antigas cooperativas de motoristas que foram legalizadas pela Prefeitura se transformaram em grandes empresas de ônibus a serviço do crime, como é o caso das ora suspeitas Transwolff e a UPBus.

Por essa razão, a Justiça, corretamente, ordenou que a Prefeitura de São Paulo assumisse a gestão das duas empresas enquanto correm as investigações. O objetivo claro é evitar que os 17 milhões de passageiros transportados por ambas todos os meses sejam prejudicados – o que decerto levaria a um colapso da mobilidade na metrópole.

Ao fim e ao cabo, cumpriram-se mandados judiciais contra suspeitos de envolvimento com a facção criminosa mais poderosa do País sem que uma gota de sangue fosse derramada, como já foi dito. Porém, ainda é cedo, evidentemente, para comemorar o triunfo total do Estado Democrático de Direito sobre um de seus maiores algozes.

Da mesma forma que o PCC só deixou de ser um grupelho formado no interior de uma penitenciária paulista para ser o que é porque agentes públicos se deixaram corromper pelo caminho, alguns “perueiros” só viraram grandes empresários a serviço do crime organizado porque o Estado foi negligente, para dizer o mínimo. Portanto, até que as investigações avancem sobre os agentes públicos que traíram seus mandatos, o fim da linha dessa promiscuidade estará longe.