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‘Voa Brasil’ no chão

No setor aéreo, o melhor que o governo tem a fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria

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Por Notas & Informações
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Ao que tudo indica, o programa Voa Brasil, por meio do qual o governo pretendia incentivar a venda de passagens de até R$ 200, não vai decolar. Sem recursos para bancar mais uma estripulia, o Executivo deve resignar-se a lançar uma plataforma que agregará os bilhetes aéreos mais baratos disponíveis aos consumidores.

Ainda que já existam aos montes serviços semelhantes na internet, é preciso reconhecer que o estrago foi contido. Diante de um déficit fiscal de R$ 249,1 bilhões no ano passado, segundo o Banco Central (BC), não é plausível que um país que nem sequer conseguiu universalizar o saneamento básico consiga justificar um aporte bilionário para baratear passagens aéreas.

Se o programa felizmente não saiu do chão, não foi por falta de vontade. A primeira vez que a ideia circulou publicamente foi em março, quando o então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, revelou a intenção de oferecer passagens baratas a aposentados, estudantes de baixa renda e servidores.

À época, França levou reprimenda indireta do presidente Lula da Silva, que cobrou de seus ministros que discutissem suas “genialidades” dentro do governo antes de torná-las públicas. O programa, porém, jamais foi engavetado e, ao contrário, acabou encampado pelo atual ministro da pasta, Silvio Costa Filho.

Sem subsídios, as três principais companhias aéreas se comprometeram, no fim do ano passado, a vender 25 milhões de passagens com preços entre R$ 699 e R$ 799 – valores que, não por acaso, já correspondiam ao preço médio dos bilhetes, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Agora, novamente sem subsídios, a ideia é ofertar 5 milhões de passagens de até R$ 200 em períodos de ociosidade – uma nova roupagem para as promoções que as empresas já faziam.

Se não teve qualquer efeito prático na precificação dos bilhetes aéreos, o voluntarismo do governo abriu espaço para que as companhias se sentissem à vontade para apresentar velhas e novas demandas, como a redução do custo do combustível e linhas de crédito baratas garantidas pelo governo.

De fato, as aéreas, no Brasil e no mundo, enfrentam dificuldades inerentes a um setor que opera com custos elevados e margens reduzidas, precisa de alta ocupação e requer um nível de eficiência operacional e financeira exemplar para se manter de pé.

Quem sobreviveu à queda brutal da demanda por viagens durante a pandemia de covid-19 o fez por meio de empréstimos onerosos que ainda comprometem seus resultados. Eis o motivo do aumento dos preços das passagens, de 47,24% em 2023, segundo o IBGE – e não o custo do querosene de aviação, que caiu 41% desde o ano passado, segundo a Petrobras.

Porém, ainda que estejam caras, as passagens aéreas não estão encalhando, o que sugere um equilíbrio entre oferta e demanda. A taxa de ocupação, relação entre os bilhetes pagos e os assentos disponíveis nos voos domésticos, atingiu 83,6% em janeiro, segundo a Anac, bem próxima dos níveis pré-pandemia. Mais uma razão a reforçar que o melhor que o governo tem a fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria.