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Voluntarismo não é ciência

Governo lança programa para repatriar cientistas, mas antes deveria valorizar quem aqui está

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Por Notas & Informações
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O CNPq, agência de fomento à pesquisa ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, lançou um programa de repatriação de cientistas e recebeu enfáticas críticas da comunidade científica – nem tanto pelo programa em si e muito mais pelo volume de recursos, o modelo escolhido e o momento de anunciá-lo. A fim de cumprir o louvável propósito de atrair pesquisadores brasileiros que hoje estão no exterior como forma de dar robustez à ciência aplicada no País, o governo destinará R$ 1 bilhão para oferecer bolsas no valor de R$ 10 mil a R$ 13 mil, verba para laboratório, plano de saúde e previdência privada. Hoje, estudantes de doutorado recebem R$ 3,1 mil, e pesquisadores do pós-doutorado, R$ 5,2 mil – isso já com valores reajustados pelo atual governo depois de quase uma década sem aumento.

Ainda que boa parte das reclamações reconheça o mérito de atrair talentos depois de anos de fuga de cérebros, as críticas se concentram no fato de que há um evidente descompasso entre as políticas de atração e de retenção de talentos. Afinal, enquanto investe em repatriar cientistas, o Brasil ainda carece de um plano sólido para oferecer condições a quem se dedica à ciência no Brasil. O programa anunciado, para complicar, define duas classes de cientistas, como se uma fosse melhor do que a outra: uma terá direito a condições infinitamente melhores; outra seguirá enfrentando as carências conhecidas da pesquisa no Brasil, marcada por subfinanciamento crônico, falta de infraestrutura e, ressalvadas as devidas exceções, pouca integração com o mercado.

Ao Estadão, o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, classificou as críticas de “míopes” por ignorar outras iniciativas do governo para reestruturar a área de ciência e tecnologia no País. Ocorre que o País desconhece a eficácia dessas outras iniciativas do governo mencionadas por Ricardo Galvão: ele citou como exemplos programas estratégicos de infraestrutura, a erradicação da fome e até o programa Nova Indústria Brasil, reconhecidamente um plano que dá roupa nova a medidas fracassadas no passado recente.

Há dois pontos adicionais a questioná-lo. Primeiro: as condições oferecidas serão mesmo suficientes para atrair pessoas que estabeleceram suas redes profissionais fora do País, têm suas atividades e vidas constituídas lá fora e sabem que enfrentarão condições precárias de pesquisa no Brasil? Segundo: uma vez encerrado o tempo de projeto com o investimento previsto no programa, o que será feito desses pesquisadores? São detalhes nada insignificantes.

Há de se recordar o trágico exemplo do Ciência sem Fronteiras, o programa de 2011 com o qual a então presidente Dilma Rousseff, de forma inepta e a despeito da advertência da comunidade científica, espalhou jovens estudantes pelo mundo. O receio, àquela época, era que o governo desviasse verbas destinadas para investimento em pesquisa de ponta. O temor agora é distinto, os sinais são trocados, mas a consequência parece ser a mesma: o governo está tentando trazer pesquisadores sem conter a saída dos que aqui estão. Uma péssima forma de investir dinheiro na ciência.