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Xadrez ambiental no Cerrado

Governo quer conter a devastação na principal fronteira agrícola do País

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Por Notas & Informações
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O governo Lula da Silva prepara para setembro o anúncio de sua política de combate ao desmatamento no Cerrado, o segundo maior bioma e principal fronteira agrícola do País. A iniciativa é louvável e, a rigor, vem com longo atraso. A área devastada dessa savana brasileira avançou 21,2% no primeiro semestre deste ano, em comparação com igual período de 2022, enquanto a derrubada na Amazônia Legal recuou em 33,6%. Faz-se necessário, entretanto, cuidado adicional para deter as retroescavadeiras que, no Cerrado, quase sempre são ativadas com autorização dos Estados.

Não menos importante do que a Amazônia, o bioma Cerrado já perdeu mais de 50% de sua cobertura vegetal, segundo o Inpe. De sua preservação depende a oferta de água a todas as regiões do País, inclusive a amazônica, e aos vizinhos do Cone Sul. Na savana sul-americana nascem 8 das 12 principais bacias hidrográficas do País, e dela alimenta-se o Aquífero Guarani. Sem Cerrado em pé não há água.

O desmatamento desse bioma seguiu lógica distinta da verificada na Amazônia Legal, onde a derrubada tem sido movida por atividades econômicas ilegais e pelo descumprimento de regras do Código Florestal e de legislações anteriores. Na savana brasileira, ao contrário, a substituição da vegetação original pela cultura agropecuária foi chancelada por sucessivos governos desde os anos 1960. A expansão dessa fronteira agrícola e as pesquisas da Embrapa resultaram em sucessivos recordes das safras de grãos. As áreas desmatadas geraram, nesse caso, tecnologia, riqueza, impostos e saldos comerciais.

É certo que a pesquisa tecnológica permitiu o aumento da produtividade no Cerrado sem a ampliação das áreas de cultivo. Essa opção prevaleceu entre empresas rurais cientes da relevância do bioma para sua sobrevivência e prosperidade e também entre as que apenas temem a perda de mercados por razões ambientais. Mas há segmentos agropecuários ainda resistentes.

A versão atualizada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) deverá superar parte da negligência acumulada há anos. A integração das bases de dados dos Estados sobre desmatamento autorizado e a dimensão de áreas devastadas com o uso de imagens de satélites permitirão a punição das derrubadas ilegais. Condições mais favoráveis de financiamento da safra 2023-2024 a produtores sem pendências no Cadastro Ambiental Rural (CAR), já anunciadas pelo governo, deverão contribuir.

A ala técnica mais radical do Ministério do Meio Ambiente mostra-se moderada na discussão do PPCerrado. Até o momento, a pasta de Marina Silva não propôs mudanças no Código Florestal (Lei 12.651/2012), para baixar de 35% a 20% a área nativa de propriedades rurais do Cerrado passível ao desmatamento. A medida certamente traria efeitos imediatos. O ativismo, entretanto, parece centrado na proibição da exploração de petróleo na Margem Equatorial. E cauteloso diante da indisposição do Planalto em comprar briga com a bancada ruralista.