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Como faturar mais diversificando os negócios em torno de um único produto

Uísque, café e trufas foram eleitos protagonistas de empreendimentos que exploram desde a cozinha até a área educacional; modelo exige conhecimento aprofundado de produto e mercado

Por Bianca Zanatta
Atualização:

Foi um misto de gosto pela boemia e “nerdice” que levou o advogado Maurício Porto a abrir um negócio. Ele é um dos fundadores do Caledonia, espaço gastronômico e educativo inteiramente dedicado a uma bebida: o uísque. Maurício está entre os empreendedores do segmento que constroem um projeto todo em torno de um único produto e conseguem, com isso, desdobrar diversas frentes de negócio, turbinando o faturamento. O empresário conta que ele e Guilherme Valle, sócio e amigo dos tempos de colégio, sempre gostaram de entender o que estavam bebendo.

Maurício Porto, fundador do Caledonia, espaço gastronômico e educativo inteiramente dedicado a uma bebida: o uísque Foto: Alex Silva/Estadão

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Aos 22 anos foi apresentado a uma dose de uísque premium. Primeiro virou o nariz porque não gostava do destilado, preferia cerveja. Mas acabou cedendo e foi amor à primeira vista – ou, no caso, ao primeiro gole. “Aí quis saber por que não tinha gostado dos uísques que tinha provado antes e, como bom nerd, fui estudar a razão”, explica.

Da primeira dose a abraçar o mundo da bebida, foi um efeito cascata, segundo o empreendedor. Após uma viagem à Escócia, ele introduziu o gosto pelo uísque ao amigo Guilherme e, em busca de aprofundamento, eles perceberam que havia pouco conhecimento acessível em português sobre a bebida. Tiveram então a ideia de criar um blog, o Cão Engarrafado, para trazer informações mais precisas, de forma leve e divertida. E a brincadeira ficou séria.

O sucesso do blog entre os apreciadores de uísque foi tamanho que os dois começaram a ser convidados para conduzir degustações. Na tentativa de monetizar a ideia, passaram a realizar os eventos por conta própria, em parceria com restaurantes. “Mas, além de ter de alugar tudo para as degustações, o que fazer com as garrafas que sobravam? Era um modelo complicado de replicar várias vezes”, observa.

É nesse ponto que nasce o Caledonia (nome dado ao território escocês na época do Império Romano), primeiramente como um espaço de eventos próprio, com toda a infraestrutura necessária para realizar degustações e cursos. Os desdobramentos foram acontecendo organicamente, segundo ele. “Como já tínhamos o espaço, por que não montar uma loja? E por que não um bar?” Hoje o Caledonia reúne 130 rótulos importados oficialmente para o Brasil – no total, o País importa pouco mais de 140 –, que podem ser degustados na casa ou comprados.

Outro trabalho que a dupla faz é garimpar estoques de “unicórnios”, que são uísques que já foram importados para cá, mas agora não são mais. Pela raridade, esses só podem ser provados no bar. As degustações, com vagas para 16 pessoas, acontecem toda quarta-feira, geralmente conduzidas pelo próprio Maurício ou por embaixadores de marcas. Entre os cursos, há desde o de introdução ao mundo do uísque, ministrado semestralmente pelo especialista Cesar Adames, até os cursos de um dia que versam sobre diferentes temas referentes à bebida, dos mais básicos aos mais complexos.

Já no bar, que atualmente corresponde a 70% do faturamento total, houve uma preocupação meticulosa com os cardápios, tanto de doses e drinks – assinados pelo premiado bartender Rodolfo Bob –, quanto de pratos, que foram inspirados em países produtores de uísque e também trazem a bebida como ingrediente. “É um negócio meio mosca branca.

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O consumidor que vai no Caledonia é iniciado, vai atrás de rótulos mais nichados”, define o empreendedor, que agora pretende mirar ainda mais na parte de coquetelaria, em busca de reconhecimentos internacionais como o Keepers of The Quaich, oferecido a pessoas comprometidas com a indústria e a cultura do uísque.

Conhecimento de produto e mercado

Para o chef francês Michel Darqué, professor da Le Cordon Bleu São Paulo, construir um negócio de gastronomia em torno de um único produto exige conhecimento não só do próprio produto, mas do consumidor. “É preciso fazer um estudo de mercado e se especializar porque você vai ter um cliente cada vez mais curioso e exigente quando decide empreender sobre um tipo de produto”, afirma. “Precisa saber se vai haver uma aceitação. Aí é dominar o produto e começar pequeno, para trabalhar o melhor possível e ir crescendo no mercado.”

Ele fala que é também essencial ter um braço de divulgação, seja assessoria de imprensa ou marketing, para ganhar visibilidade nas mídias especializadas, que atingem o público-alvo. “Mas o mais importante é achar um fornecedor de qualidade que tenha constância e qualidade na entrega”, sublinha o chef. “Quando você escolhe trabalhar com um produto, precisa aumentar seu leque.” Como exemplos bem-sucedidos, ele cita o carioca P.Ovo, do chef Rodrigo Gomes, que coloca o ovo no centro do palco, trazendo-o como protagonista de todo o cardápio.

De acordo com Darqué, atualmente a casa consome 4 mil ovos por semana – sempre orgânicos, de galinhas caipiras criadas livremente em fazendas familiares. Ele menciona ainda o premiado A Casa do Porco, em São Paulo, que elevou a carne de porco ao status de alta gastronomia e hoje mantém criação própria em uma fazenda de São José do Rio Pardo para garantir a continuidade da produção.

Tudo em família

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No caso da Um Coffee Co., especializada em cafés especiais, a história fez o caminho inverso – começou na produção para então se desdobrar em diferentes frentes de negócio. Nos idos dos anos 2000, o coreano Stefano Um trabalhava como representante da Samsung no Brasil. Especialista em importação e exportação, começou a vender também café verde, principalmente para a Ásia, e aí nasceu um interesse pelo produto.

“Ele estava montando uma fábrica em Varginha, região que hoje é quase a Meca do café em Minas, e começou a conhecer produtores de café. Foi se apaixonando pelo tema”, relata Boram Um, filho de Stefano que se tornou barista e hoje está à frente das seis unidades da Um Coffee, ao lado de seu sócio e irmão, Garam Um.

Boram Um, barista da Um Coffee  Foto: Arquivo pessoal

A primeira fazenda adquirida pela família, em 2009, ficava entre Campanha e São Gonçalo do Sapucaí, região conhecida pela produção de cafés especiais. Até 2015, eles trabalhavam exclusivamente com a exportação de seu café em pequenos volumes. O barista conta que se envolveu no negócio nessa época, assumindo a parte de vendas e viajando mundo afora para visitar clientes. “A ideia de começar a torrefação e abrir a cafeteria no Brasil surgiu dessas viagens”, explica.

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“Tive muitas portas fechadas na cara porque os consumidores no exterior não viam o café brasileiro como um café de qualidade, então para mim a movimentação natural era começar uma marca de café especial no Brasil e validar o produto primeiro com o público brasileiro. Não via sentido em só comercializar isso lá fora se nem no nosso próprio País a gente tem acesso a essa qualidade de café.”

A primeira loja foi inaugurada em 2016, quando o irmão Garam se juntou ao time. “A gente tinha grandes aspirações de montar uma rede de cafés, então entrou com um treinamento interno forte porque a gente sabe que a parte de conhecimento é chave para esse negócio, além da qualidade do produto”, relata. Com isso, ele diz que foram se abrindo todos os outros braços do negócio.

Hoje a Um Coffee é uma empresa 100% verticalizada, que produz os próprios grãos e exporta lotes verdes, faz torrefação, fornece para atacado e varejo, tem um e-commerce bem estabelecido e mantém as cafeterias próprias e a Um Coffee Academy – área educacional com cursos profissionalizantes e para o público geral que se interessa pelo tema.

Para abastecer as cafeterias, a marca desenvolveu ainda uma operação de pães e doces, que são produzidos em duas das unidades e distribuídos para o restante. “O café especial hoje traz todas as oportunidades do mercado. É um negócio completo, de muitas frentes, e principalmente um negócio de volume, que sobrevive das grandes movimentações de produto”, ele analisa.

Apesar da estagnação trazida pela pandemia, o empreendedor fala que hoje a empresa já voltou a crescer em torno de 15% ao ano, não só em território nacional, mas também com a expansão das vendas internacionais. “Tem uma demanda enorme surgindo de países que não conseguem comprar ou têm falta de produção por conta da crise climática”, afirma, acrescentando que ele e o irmão também estão fortemente focados nas competições internacionais de baristas, que agregam conhecimento técnico, pesquisa, inovação e tendências de mercado.

“É uma forma de colocar o Brasil no mapa como grande líder de cafés de qualidade e compartilhar tudo que a gente está fazendo de novo com o mercado”, argumenta ele. “Sendo bem sincero, hoje só o Brasil tem a oferecer novidade, conhecimento e altíssima tecnologia. É uma necessidade enorme a gente se colocar à frente dessas competições para ajudar o mundo de produção e consumo de café especial.”

Democratização de uma iguaria

Outro negócio criado em torno de um produto específico que deu certo é a Tartuferia San Paolo, da engenheira química Mônica Claro. Depois de fazer carreira no mundo corporativo, ela conta que saiu de campo para estar mais próxima dos filhos.

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Como já tinha viajado bastante para a Europa e os Estados Unidos a trabalho, buscou no exterior a inspiração para começar um negócio na área de alimentos, que sempre foi uma paixão. Foi na Itália que encontrou seu core business: as trufas, aqueles fungos selvagens raríssimos que são “caçados” no solo por cães e porcos.

“Minha ideia inicial era colocar a trufa em produtos brasileiros e criar um empório para vender”, explica ela. Após uma visita a fornecedores em 2013, onde conheceu o parceiro exclusivo com que trabalha até hoje, a empreendedora definiu que produtos seriam feitos na própria Itália – os mais tradicionais, como azeites, carpaccio e polenta trufada – e quais seriam preparados em parceria com produtores artesanais brasileiros. Assim nasceram receitas como o requeijão de corte trufado, a goiabada cremosa com trufas negras e o doce de leite com trufa negra e cumaru.

“Comecei a descobrir muita coisa que não tinha no Brasil, era super restritivo”, afirma Mônica, contando que as trufas antes só chegavam por aqui em festivais sazonais, entre outubro e dezembro, que é a temporada da variedade branca, mais rara e, portanto, cara.

Além disso, havia o custo e a complexidade da logística para trazer a iguaria, já que a trufa precisa chegar fresca, dois dias após ser retirada do solo. “Só que na Itália tem várias temporadas de outras variedades ao longo do ano, que permitem um abastecimento ininterrupto”, diz.

É o caso das trufas negras, que hoje compõem a receita de boa parte dos produtos da marca e ainda permitem que os preços sejam mais acessíveis, segundo ela. “Começamos a importar uma quantidade grande todas as temporadas. A gente queria democratizar o consumo. Então veio a ideia de criar pratos para as pessoas degustarem com esses produtos”, relata.

De empório com comidinhas, a Tartuferia San Paolo rapidamente cresceu para se tornar um restaurante especializado em trufas, hoje com duas unidades na capital paulista e a previsão de abrir uma terceira até o final do ano. “No começo os produtos representavam 80% das nossas vendas e hoje, com a expansão dos restaurantes, esse porcentual se inverteu”, diz a empreendedora, que importa dez vezes mais trufas frescas por mês do que no início do negócio.

“Importamos mais de seis tipos de trufas diferentes e estamos sempre buscando novidades. Isso tem feito nosso volume de vendas crescer sempre dois dígitos”, comemora ela, revelando que a linha de produtos, antes preparada na cozinha, também aumentou e ganhou uma fábrica própria, em Jundiaí. Atualmente a fábrica abastece não só os próprios restaurantes da marca, mas empórios gourmet como Santa Luzia e Eataly, além da Casa Flora Importadora, parceira comercial que distribui os produtos da Tartuferia com exclusividade para todo o Brasil.

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