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Empreendedorismo: consumo consciente ganha primeiro marketplace

Plataforma começa com 100 empresas, como Trama Livre, Irene Ri e Mina Art; até o fim de 2023, expectativa é chegar a 500 lojistas

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Por Bianca Zanatta

Responsabilidade socioambiental, uso de matéria-prima reciclada, valorização da mão de obra e uma série de pilares associados ao consumo consciente eram uma preocupação embrionária no Brasil quando as empreendedoras Gladys Tchoport e Claudia Kievel se conheceram pelo Facebook, em 2011. Formada em Moda, Gladys organizava bazares na época enquanto Claudia realizava festas noturnas.

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Vendo uma sinergia de ideias, elas decidiram criar algo do zero, ainda sem saber ao certo o que seria. “Queríamos uma atividade diurna, que na época era tudo muito noturno, que tivesse uma ligação forte com o manual e uma preocupação socioambiental para o trabalho”, conta.

Foi assim que nasceu o projeto Jardim Secreto, hoje uma rede que envolve feiras, festivais, espaço físico – a Casa Jardim Secreto, instalada no bairro paulistano de Santa Cecília – e que acaba de expandir sua atuação para o online, inaugurando o primeiro marketplace de consumo consciente para todo o País.

Com o propósito de valorizar o “local, pequeno e atemporal” e apoiar e impulsionar empreendedores de segmentos como arte, decoração, moda, bem-estar e mercearia que se pautam pela causa, a plataforma conta com 100 marcas já na largada, e o objetivo é chegar a 500 até o final de 2023.

Na foto, as sócias do Jardim Secreto, Matketplace de consumo consciente. Foto: Pamela Alves/ Divulgação Foto: Pamela Alves/ Divulgação

“Desde o começo a gente faz uma curadoria muito forte, é o nosso grande diferencial. Quando eu estava no universo da moda, presenciei situações de trabalho escravo no Bom Retiro. Isso marcou minha vida. Nosso trabalho é evidenciar marcas que se preocupam com questões como essa”, diz Gladys.

Do manual para o digital

A empreendedora fala que o marketplace foi um grande desafio porque elas ficaram muitos anos sem querer nada com a internet, valorizando sempre o contato presencial. Mas a pandemia transformou o pensamento. Como muitos, acabaram por fazer o primeiro atendimento por WhatsApp na história do negócio e aprenderam a estruturar a logística de entrega na raça, mas o digital continuava não sendo o foco.

Foi no início de 2022 que elas tomaram a decisão de desenvolver a plataforma para expandir o negócio, sem a limitação física. Conseguiram uma investidora-anjo e, com um aporte inicial de R$ 180 mil, passaram a focar no portfólio, que inclui pequenos e médios empreendedores de todo o Brasil capazes de entregar seus produtos nacionalmente.

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Para fazer parte desse time, as marcas precisam atender a quatro regras de curadoria da rede: consumo consciente (projetos alinhados ao propósito de transformar a relação com aquilo que consumimos, com transparência e sem excessos); produção justa (compromisso com uma produção responsável, justa e sustentável, da retirada da matéria-primeira ao pagamento da mão de obra); foco socioambiental (projetos, marcas e artistas dedicados a diminuir o impacto negativo no meio ambiente e gerar impacto positivo na sociedade); e originalidade (trabalhos com referências à própria vivência e visão de mundo do empreendedor, deixando de lado o olhar para o concorrente).

Empoderamento responsável

Criada no período pré-eleitoral de 2018, a paulistana Trama Livre está entre as 100 marcas que o público encontra na plataforma. A empreendedora Patrícia Rios, que idealizou e desenvolveu a ideia com seu parceiro, conta que tem o propósito de empoderar as mulheres contra a opressão do patriarcado através de artigos subversivos - mas há também a preocupação de trazer um impacto socioambiental positivo. Com frases como “lute como uma mãe” e “homem bonito é o que questiona seus privilégios”, os panos de prato são produzidos a partir de matéria-prima reciclada pela indústria brasileira.

Os demais produtos, como camisetas e ecobags, são biodegradáveis, confeccionados em tecido 100% algodão e serigrafados com tinta atóxica. Além disso, a produção acontece sob demanda, reduzindo o desperdício e o descarte, tão comuns no setor têxtil.

Patrícia Rios, fundadora da marca Trama Livre. Foto: Pamela Alves/ Divulgação

Para Patrícia, o público de fato está mais preocupado e interessado em entender como, onde e quem faz os produtos que leva para casa. O novo marketplace vai encurtar o caminho entre esses negócios e quem compra de forma consciente. “Fazer parte do Jardim Secreto é estar em contato com um público muito mais consciente e disposto a nos ouvir, não apenas como marcas, mas também como pessoas”, diz ela. “A expectativa é alcançar um público que compreende e apoia pequenos negócios em nível nacional e conseguir expandir nossa marca para além de onde os espaços físicos e as feiras nos permitem chegar.”

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Da Chapada Diamantina para o Brasil

Outra marca que esta no marketplace é a Irene Ri, empresa de cosméticos naturais, da empreendedora Tais Tatit Barossi. Ela conta que nasceu na capital paulista, mas o gosto por estar perto da natureza a levou a escrever uma outra história. Viajou pelo Brasil, trabalhou no Pantanal com comunidades ribeirinhas, na Amazônia com os indígenas Yanomami e viveu por um tempo na Chapada Diamantina, no coração do Cerrado baiano. “Sempre questionei a forma precária e consumista como nós da metrópole nos relacionamos com a natureza e a maneira inconsciente com que usamos os recursos que o planeta nos disponibiliza”, diz.

Tais Tatit Barossi, fundadora da Irene Ri, sempre questionou o consumismo dos moradores das metrópoles Foto: Kahuan Teixeira/ Divulgação

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A empreendedora ainda morava no Cerrado quando teve o primeiro filho e passou meses sem trabalho e angustiada, tentando resolver uma equação que parecia impossível: ter um trabalho que trouxesse remuneração e impactasse positivamente o meio ambiente e as pessoas, mas ao mesmo tempo lhe permitisse continuar próxima do filho. “Aos poucos fui me dando conta que a resposta estava bem na minha cara. Ficou claro como a natureza é fundamental para o equilíbrio da saúde, e foi lá que me caiu a ficha de que é possível levar o espírito da natureza, seus cheiros, aromas e texturas para a grande cidade onde eu nasci”, revela.

A Irene Ri começou no pequeno vilarejo onde ela vivia antes de voltar para São Paulo. “Era tudo muito artesanal mesmo, eu escrevia os rótulos a mão”, lembra Tais, que lançou a marca oficialmente em 2019 e, de lá para cá, tem visto o faturamento dobrar a cada ano. “As meninas do Jardim Secreto deram um baita empurrão para a gente começar a decolar. Ainda estamos no começo, mas queremos continuar ao lado delas porque têm esse olhar cuidadoso para marcas que estimulam o consumo consciente e também por serem criativas nas diferentes maneiras de tornar viável o encontro dessas marcas com o público”, afirma.

Arte e representatividade

Outra que espera ampliar seu alcance com o novo marketplace é a Mina Art, fundada por Maria Eduarda Henriques e Helena Sammarone Henriques, que são também pai e filha. Maria Eduarda - ou Duda -, artista plástica por trás das jóias, peças de moda e artigos de decoração da marca, é uma mulher trans. A filha conta que ela estava há 27 anos trabalhando em uma multinacional quando começou sua transição de gênero, em 2018, e decidiu se desligar do emprego para trabalhar com artes plásticas.

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Fez cursos no exterior para desenvolver caleidoscópios, que ela sempre colecionou, e no meio do caminho aprendeu um processo de produção de joalheria que hoje é o carro-chefe delas: a pintura de cobre com chama de alta temperatura, em que a artista gradualmente oxida o cobre com um maçarico e as cores vão se revelando.

Maria Eduarda Henriques e Helena Sammarone Henriques, fundadoras da Mina Art, fazem joias e objetos de decoração Foto: Mina Art/Divulgação

“Eu estava fazendo intercâmbio no meio disso tudo e, quando eu voltei para o Brasil, encontrei a Duda com os produtos já desenvolvidos e a possibilidade de participar de um evento, mas ainda sem um nome por trás da marca. Foi aí que nasceu a Mina”, conta a jovem empreendedora, que se tornou sócia do pai na empreitada. “Hoje em dia a gente é uma marca muito focada nos caleidoscópios, jóias e estampas para roupa, e tem como objetivo falar sobre a causa trans e sobre a nossa família, mostrando um case de otimismo e esperança para a comunidade trans, que é muito marginalizada no nosso País”, ela acrescenta.

“As pessoas que compram nossas peças acabam comprando também a nossa mensagem e ajudando a gente a levar adiante todo esse propósito que criamos na nossa marca, a partir da construção da nossa família.”

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