BRASÍLIA - Associações que representam auditores, procuradores e conselheiros de tribunais de contas manifestaram "perplexidade" com a iniciativa de senadores aliados da presidente cassada Dilma Rousseff de representar contra o procurador Júlio Marcelo de Oliveira e o auditor Antônio Carlos d'Ávila Júnior por supostas infrações no exercício de seus cargos e em depoimentos prestados no julgamento do impeachment. Em nota, as entidades classificaram as acusações contra eles de "fantasiosas", "descabidas" e motivadas por "vingança processual".
Oliveira e d'Ávila atuaram em fiscalizações nas quais o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou supostas irregularidades na política fiscal do governo da petista, mais tarde usadas para embasar o processo de cassação do mandato em curso no Senado. Na terça-feira, 30, parlamentares dilmistas decidiram denunciá-los ao Ministério Público Federal e ao Conselho Nacional do Ministério Público e pedir sua responsabilização nas esferas administrativa, cível e criminal, em razão de alegadas violações. Eles alegam que os dois agiram com "prevaricação, falso testemunho, deslealdade às instituições, violação de deveres de imparcialidade e funcionais" no exercício de suas atividades, cabendo a aplicação de sanções a ambos.
O procurador foi arrolado pela acusação como testemunha no impeachment, mas o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, o declarou suspeito, por possível parcialidade, e decidiu que ele só poderia falar na condição de informante, ou seja, sem que suas declarações pudessem ser usadas como prova. O motivo é que Oliveira admitiu no Senado ter compartilhado no Facebook, em 2015, uma convocação para protesto pela rejeição das contas da presidente afastada, que ocorreria em frente ao TCU.
Já d'Ávila, ouvido como testemunha da acusação, afirmou ter auxiliado Oliveira a escrever a representação que originou o processo para analisar as pedaladas fiscais de 2014. Mais adiante, ele participou da auditoria que considerou as manobras irregulares. Para os senadores pró-Dilma, o profissional não poderia ter atuado nas duas fases do processo, denunciando e auditados as operações. Os ministros da corte de contas, que atuam como julgadores, concordaram com as conclusões da auditoria e condenaram as pedaladas.
A nota é assinada pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC), a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON) e a Associação Contas Abertas. Diz que tanto o procurador quanto o auditor têm legitimidade para, "de forma autônoma, representar possíveis ilegalidades à Corte de Contas e dar início a um processo de investigação", conforme previsto no artigo 237 do Regimento Interno do TCU.
"Dessa forma, demonstra-se absolutamente sem base, fantasiosa e vazia a acusação de que o auditor teria lançado mão de estratagemas com o Ministério Público para depois ele próprio atuar no caso das ‘pedaladas fiscais’", observam as entidades.
O comunicado explica que a função do auditor no TCU é fazer investigação por meio de inspeções, auditorias, representações, diligências e demais procedimentos: "O auditor não é juiz, não julga a auditoria e não está sujeito às regras de impedimento e suspeição da magistratura".
As associações alegam que é "salutar e necessário" para a efetividade do controle externo que que o Ministério Público de Contas e a área de auditoria atuem de forma articulada e em regime de colaboração. "Da mesma forma que não há qualquer tipo de suspeição na atuação conjunta entre servidores da Polícia Federal e procuradores da República do MPF, o auditor pode perfeitamente atuar em colaboração com o procurador, porque ambos exercem função de investigação no âmbito do controle externo."
A nota diz ainda ser "absolutamente descabida a acusação de suspeição ou impedimento de Oliveira. "Sua atuação se deu com estrita obediência ao ordenamento jurídico brasileiro, dentro da lei, de acordo com a lei e em favor da lei", sustenta.
Conforme o comunicado, a única manifestação do procurador nas redes sociais sobre as contas anuais de 2014 do governo - que não foram objeto do processo de impeachment - "apenas registrou considerar ele muito adequado que a sociedade brasileira se aproprie da discussão sobre as contas públicas e cobre rigor dos órgãos de controle". "Nem de longe (isso) se confunde com manifestação pró-impeachment ou com atividade político-partidária."
As entidades afirmam não aceitar a "repressão" contra os agentes de Estado que cumprem seu dever institucional. "Não aceitamos a interdição da verdade e a ‘vingança processual’. A democracia não pode prescindir da voz de todos", acrescentam.
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