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Advogado de Bolsonaro já admitiu uso de provas que hoje contesta no TSE

Como ministro, Tarcísio Vieira disse que lei permitia incluir novas provas em julgamentos se relacionadas à acusação inicial; com Bolsonaro como cliente, ele é contra análise da minuta do golpe

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Foto do author Daniel Haidar
Por Daniel Haidar
Atualização:

BRASÍLIA – Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, advogado de Jair Bolsonaro (PL), contesta hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma tese da qual já foi adepto quando ocupou uma das cadeiras de ministro da Corte destinadas a juristas. Em defesa do ex-presidente, ele afirma que novas provas, como a minuta do decreto de golpe, não poderiam ser analisadas no julgamento que pode levar Bolsonaro à inelegibilidade por oito anos, mas, quando integrante da Corte, chegou a afirmar o contrário.

Tarcísio fez sustentação oral na quinta-feira, 22, quando o julgamento foi iniciado no TSE. O PDT, autor da ação, e o Ministério Público Eleitoral acusam o ex-presidente de abuso de poder político por reunir em julho do ano passado diplomatas estrangeiros para colocar em xeque a integridade do sistema eleitoral brasileiro e da própria Corte. Nesta terça-feira, 27, o caso volta ao plenário com a leitura do voto do relator Benedito Gonçalves. A expectativa é que o julgamento seja finalizado na quinta, 29.

Tarcísio Vieira de Carvalho durante sessão plenária no TSE; advogado foi ministro do TSE Foto: Alejandro Zambrana/TSE

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Na sessão da semana passada, o advogado e ex-ministro do TSE defendeu a exclusão da minuta do golpe, porque o documento ainda não tinha sido descoberto nas etapas iniciais do processo. Quando era ministro do TSE, Tarcísio já havia admitido que novas provas podem, sim, ser usadas, caso confirmem os argumentos iniciais da ação. O PDT acionou a Justiça Eleitoral em agosto, e a minuta do golpe só foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em janeiro, durante operação da Polícia Federal para apurar os ataques golpistas do dia 8 daquele mês.

De acordo com parecer do MP Eleitoral, Bolsonaro buscou “benefício eleitoral indevido” ao reunir embaixadores no Palácio da Alvorada, para manter eleitores mobilizados, enquanto tentava provocar desconfiança no resultado das urnas. No parecer do procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, pouco foi mencionada a minuta do decreto do golpe, que a defesa de Bolsonaro tenta excluir do processo.

Em sua defesa, Bolsonaro tenta argumentar que não pode ser considerada no seu julgamento nem a minuta do decreto do golpe nem qualquer outra prova dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Para isso, o ex-presidente cita os argumentos jurídicos que saíram vencedores na absolvição da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, em 2017.

Jair Bolsonaro se reuniu com deputados do PL em São Paulo na Alpes; ex-presidente pode ficar inelegível Foto: FELIPE RAU

Naquele julgamento, por quatro votos a três, os ministros não viram provas de participação de Dilma e Temer em atos de abuso de poder político e rejeitaram a análise de acordos de delação premiada ou depoimentos que não foram citados nas fases iniciais do processo. Bolsonaro tenta se comparar a Dilma e Temer como parte de uma estratégia de vitimização, para se apresentar como um perseguido pela Justiça caso seja condenado a ficar inelegível até 2030.

No caso Dilma-Temer, quando era ministro do TSE, Tarcísio foi um dos quatro ministros que votaram contra a inclusão no julgamento das provas dos acordos de delação premiada. Mas, mesmo nesse voto contrário, ele admitiu que, pelo artigo 493 do Código de Processo Civil (CPC), até depois do início do processo, magistrados podem levar em consideração “fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito” se isso “influir no julgamento do mérito”.

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“Ministro Luiz Fux, nesse ponto, eu procedo à análise, como entendo, do art. 493 do CPC, que não deixa dúvida do que Vossa Excelência disse, pois permite, sim, o acréscimo de nova causa de pedir, até mesmo de ofício, como registram vários eruditos doutrinadores do processo civil”, afirmou o advogado de Bolsonaro, como ministro no julgamento Dilma-Temer em junho de 2017. Na condição de defensor do ex-presidente, Tarcísio não citou o artigo no plenário do TSE.

Tanto o PDT quanto o Ministério Público usam exatamente esse argumento para defender a inclusão da minuta no julgamento. Isso porque o documento e os ataques golpistas de 8 de janeiro são tratados como consequências do discurso de Bolsonaro proferido inúmeras vezes contra o sistema eleitoral.

Chapa Dilma-Temer

Ao analisar o voto de Tarcísio no caso Dilma-Temer e o julgamento de Bolsonaro, a procuradora Silvana Batini, professora de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o TSE jamais fechou posicionamento contra a análise de novas provas após o início do processo. Para ela, a minuta do golpe corrobora as acusações iniciais feitas contra Bolsonaro.

“Só não pode incluir no processo um fato estranho à causa inicial. Nesse caso especifico do Bolsonaro, a minuta é um fato que só confirma a tese inicial. Tanto é que, se for condenado, ele vai ser punido por ter usado a máquina pública com objetivo eleitoreiro. A minuta do golpe mostra que, mais do que potencialidade, houve dano concreto, porque foi um ingrediente a mais para se formar esse caldo antidemocrático”, diz Batini ao Estadão.

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No caso de Bolsonaro, Tarcísio alega que a minuta do decreto do golpe trata de “fato novo” e que, além disso, é apócrifa e sem nenhuma relação com a reunião com os embaixadores. Só que o PDT alega justamente que a minuta do decreto era a “materialização da última fase de um plano milimetricamente traçado para derrubar o estado democrático de direito”.

Procurado pelo Estadão, o advogado de Bolsonaro disse que manteve a mesma posição para os dois processos. Para ele, a minuta do decreto e outras provas ligadas aos ataques golpistas nada têm a ver com os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, na reunião com embaixadores e em outras ocasiões citadas no processo.

“A posição que perfilhei, enquanto julgador no caso da chapa Dilma-Temer, é rigorosamente igual a posição que sustento como advogado. A introdução de fatos novos, ligados a uma tentativa de golpe, notadamente sob a invocação dos lamentáveis incidentes ocorridos no dia 8 de janeiro, nada têm a ver com a causa de pedir original”, afirmou.

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