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A perpetuação da violência contra as mulheres no mundo digital

Por Beatriz Vendramini Rausse
Atualização:
Beatriz Vendramini Rausse. Foto: Divulgação

É inconcebível que no ano de 2023 ainda lutemos pela efetividade das legislações e pela ampliação do debate acerca da violência doméstica contra as mulheres. É verdade que hoje, muito mais do que em 2006, quando foi publicada a Lei Maria da Penha, o debate sobre violência contra as mulheres, como, por exemplo, a violência doméstica, está ganhando força. No entanto, pouco se fala no Brasil sobre uma forma de violência que muitas brasileiras já conhecem, mas poucas conseguem nomear: a violência de gênero digital.

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Segundo a Relatora Especial das Nações Unidas em Violência Contra as Mulheres, Dubravka ?imonovi?, a violência de gênero digital é qualquer ato de violência baseada em gênero cometido, auxiliado ou agravado pelo uso de tecnologia da informação ou comunicação de modo a ofender, discriminar e violentar mulheres pelo simples fato de serem mulheres ou se identificarem como tal, afetando, portanto, desproporcionalmente mulheres.

Essa conceituação pode fazer parecer que a violência de gênero digital é uma realidade distante. No entanto, todos nós conhecemos casos de mulheres que já tiveram suas imagens íntimas expostas na internet, sem consentimento, ou então, mulheres que sofreram constantes discursos de ódio no ambiente digital. Sem muito exercício reflexivo, é possível citar a atriz Carolina Dieckmann, que teve sua intimidade violada após um grupo de hackers invadir seu computador pessoal e divulgar, sem autorização, imagens íntimas pelas redes sociais. E, ainda, a cantora Luisa Sonza que, ao romper seu relacionamento, foi alvo massivo de discurso de ódio em suas redes sociais.

Alguns exemplos de violência de gênero digital incluem: doxxing (exposição e vazamento de informações e dados pessoais), sextorsão (quando uma pessoa constrange ou ameaça outra à prática sexual ou pornográfica para obter vantagem, recompensa ou lucro), cyberstalking (perseguição, vigilância e monitoramento constante de alguém por meio digital), deepfake ( a criação e disseminação de vídeos e imagens falsas realistas com o uso de inteligência artificial), exposição pornográfica não consentida, como o vazamento de cenas íntimas de sexo sem autorização, discursos de ódio online, entre outros. Esse tipo de violência inclui tanto atividades online quanto offline que utilizam dispositivos de tecnologia da informação ou comunicação e pode ser cometida, por exemplo, através da internet, smartphones, smartwatches, airtags, GPS, dentre outros.

Além de ser uma forma de perpetuação da violência que muitas mulheres já sofrem offline, a violência de gênero digital também é uma forma de controle de mulheres, seus corpos, liberdade e autonomia de modo online. A realidade é que, à medida que as novas tecnologias evoluem, novas formas de perpetuar os estereótipos e papéis de gênero, e de punir mulheres que deles se afastam são criadas.

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A velocidade com que a violência digital se espalha não é acompanhada pelo avanço das legislações e políticas para coibi-la. O resultado é o aumento gigantesco no número de casos de violência de gênero, que amedronta mulheres, as isolam socialmente, causam sensação de não pertencimento ao espaço público e geram danos psicológicos seríssimos. Os efeitos podem, inclusive, atingir o trabalho das vítimas e sua renda, podendo, também, levar a consequências mais graves, como o suicídio.

Para combater esse problema, a ampliação do debate é fundamental para que as vítimas e testemunhas possam reconhecer que referida prática é uma forma de violência que deve ser coibida e punida. No entanto, mais do que isso, dois principais agentes são essenciais para garantir um ambiente digital seguro para as mulheres: o Poder Público e as grandes empresas de tecnologia. Isso porque, sem legislação que regulamente a violência de gênero digital é impossível punir efetivamente tal prática, ao mesmo tempo em que, sem medidas efetivas impostas no ambiente digital, a legislação em si não é suficiente.

Assim, enquanto a legislação não avança em ritmo satisfatório, as empresas de tecnologia possuem o poder de, internamente, adotarem códigos de conduta e comportamento para os usuários de seus produtos, de removerem conteúdos relacionados à violência digital de gênero, bem como de punir usuários que a perpetuem e de estabelecer regras claras de termo de uso, que não permitam que a violência de gênero digital aconteça em suas plataformas.

Em um mundo cada vez mais conectado por sistemas de tecnologia da informação e comunicação, deixar de combater a violência digital de gênero é deixar de combater a violência contra as mulheres, removendo dessas o direito de ocuparem o mundo digital.

*Beatriz Vendramini Rausse, advogada, mestre em Direito Europeu e sócia da Borguezi e Vendramini Advogadas

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