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Opinião|A primeira decisão contra a 123 Milhas e a impossibilidade da divisão dos prejuízos com o consumidor

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convidado
Janaína De Castro Galvão Foto: Divulgação

No último dia 18 de agosto, os brasileiros foram surpreendidos com o posicionamento da empresa 123 Milhas, famosa pela venda de passagens aéreas por valores baixos, em suspender a emissão de passagens aéreas e pacotes de turismo de sua linha promocional, para os meses de setembro a dezembro deste ano.

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A notícia, como não poderia deixar de ser, causou pânico entre os consumidores da empresa, especialmente pelo fato de que esses bilhetes não seriam reemitidos, tampouco seus valores seriam ressarcidos. Ao contrário, os clientes afetados pela não emissão dos bilhetes aéreos receberiam um voucher da empresa, com correção monetária (em 150% do CDI), para utilizar futuramente na compra de outros produtos fornecidos pela 123 Milhas.

Problemas com o cancelamento de voos ou de bilhetes aéreos não são uma novidade para o público consumidor brasileiro. Há pouco menos de dois anos, a companhia Itapemirim Transportes Aéreos anunciava, às vésperas das festividades de final de ano, a suspensão até então temporária de suas operações, cancelando todos os voos operados por ela. Milhares de consumidores foram lesados com tal atitude, que acarretou não só no ajuizamento de centenas de ações indenizatórias contra a empresa, mas também na decretação de falência da empresa, por meio de decisão judicial proferida em julho/2023, recentemente suspensa pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Mesmo que a empresa 123 Milhas tenha disponibilizado vouchers para uma troca futura por produtos, numa tentativa de minimizar o potencial lesivo de sua conduta, o cancelamento de passagens aéreas e pacotes turísticos, às vésperas de sua ocorrência, por si só já gera ao consumidor o direito de buscar, administrativa ou judicialmente, a reparação pelos danos causados pela empresa, o ressarcimento integral dos valores gastos com a compra, em pecúnia, ou, até mesmo, a determinação para que as passagens adquiridas sejam emitidas.

Nesse sentido, menos de quatro dias após o anúncio da suspensão da emissão dos bilhetes aéreos, foi proferida a primeira decisão judicial , em 22 de agosto, determinando que a 123 Milhas emita as passagens aéreas adquiridas por uma consumidora, dentro do prazo de cinco dias contados da publicação da decisão. Segundo constou dos autos, a consumidora teria adquirido quatro passagens aéreas, com destino à cidade de Natal/RN, saindo por Guarulhos/SP, para o período de 04/09/2023 a 10/09/2023. As passagens foram adquiridas em setembro/2022, um ano antes da data aprazada para a viagem, pelo valor de R$ 1.332,00, sendo que se a consumidora as comprasse agora teria que desembolsar o valor de R$ 9.733,00.

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Segundo constou da decisão proferida pelo Dr. Artur Pessôa de Melo Morais, juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos/SP, o histórico dos fatos trazidos pela consumidora em sua petição inicial, demonstram que ela comprou as passagens áreas com antecedência, tendo adimplido integralmente com o valor, mas foi surpreendida com o cancelamento das passagens aéreas às vésperas da viagem, condições que autorizariam a determinação para imediata emissão dos bilhetes, em caráter de tutela de urgência.

Sem entrar no mérito do modelo de negócio praticado pela 123 Milhas, que comercializa passagens aéreas, adquiridas através de uma “gestão” de milhas, é seguro dizer que a decisão em comento, identificada como pioneira sobre a situação comunicada pela empresa, apoiou-se no regramento próprio do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a hipossuficiência do consumidor, em comparação com a figura do fornecedor. Diante disso, o risco do negócio, os eventuais prejuízos sofridos pela empresa na consecução de suas atividades não podem ser transferidos ou divididos com os seus clientes, até mesmo porque, em situações de alto rendimento da empresa, certamente os lucros experimentados por elas não são divididos com seus clientes.

Seria prematuro dizer que a 123 Milhas passa por dificuldades econômicas tais, que acarretem num pedido de Recuperação Judicial ou decretação de falência, mas é seguro apostar que centenas de outras ações serão ajuizadas pelos consumidores que se sentiram lesados com o cancelamento dos bilhetes aéreos pela empresa, sendo medida emergencial que a empresa repense a medida anunciada ou se adeque para trazer opções aos seus clientes que reflitam as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

*Janaína De Castro Galvão é sócia da Área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados

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