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A triste cassação do mandato de Deltan Dallagnol

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Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
Deltan Dallagnol. Foto: Felipe Rau/Estadão

A cassação do mandato do Deputado Federal Deltan Dallagnol fez-me recordar a "Operação Mãos Limpas".

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Não entro no mérito da decisão por desconhecer profundamente os fatos e as provas, mas confesso que me deixou muito triste, posto que ele estava a desempenhar de maneira muito competente suas funções parlamentares.

E a similitude com o que ocorreu na Itália é muito grande.

No começo dos anos 90, após a prisão do mafioso Tommaso Buscetta no Brasil e testemunho do dissidente da KGB Vladimir Bukokski, foi deflagrada na Itália a denominada "Operação Mãos Limpas", culminando com a prisão de quase três mil pessoas, dentre elas centenas de empresários e políticos, inclusive quatro que haviam sido primeiro-ministro.

As acusações basicamente eram de pagamento de propina a altos funcionários públicos e políticos para que empresas vencessem licitações a assinassem contratos bilionários com empresas públicas. Toda a nação italiana aplaudiu de pé as ações, enquanto partidos políticos eram atingidos em cheio, vindo alguns deles a desaparecer posteriormente.

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A operação foi comandada pelo magistrado Antônio di Pietro, junto com sua equipe, lembrando que na Itália Magistratura e Ministério Público integram a mesma carreira.

Durante a operação, devido à enorme pressão exercida por "forças ocultas", a equipe foi aos poucos sendo desfeita até desaparecer.

Nos meses seguintes, foram aprovadas pelo parlamento italiano diversas leis com o claro propósito de proteger os parlamentares e dificultar a punição de agentes públicos corruptos e seus corruptores. Chegou-se ao cúmulo de vários integrantes da operação serem acusados de abuso de autoridade e de corrupção.

No Brasil, muito parecida com a operação italiana, tivemos a finada "Lava-jato". Políticos e empresários poderosos, até então intocáveis, foram investigados, processados, condenados e presos para o desespero de muitos profissionais da área do direito, que dominavam o Poder Judiciário, obtendo êxito em praticamente todos os recursos interpostos.

As sentenças condenatórias foram prolatadas às pencas e a imensa maioria mantida nos Tribunais, notadamente no Tribunal Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça. Estes Tribunais analisaram as medidas requeridas e deferidas durante a operação e as tiveram como hígidas, ou seja, isentas de vícios processuais e abusos.

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No entanto, aos poucos tudo foi mudando. Novas leis foram aprovadas e a jurisprudência dominante alterada de modo a alcançar as decisões e sentenças proferidas, retroagindo e atingindo os atos processuais já consumados e decididos de acordo com o entendimento vigente à época.

E muitas dessas novas decisões foram proferidas por apenas dois ou três Ministros da Suprema Corte e não por seu plenário, que decerto não teria aniquilado a operação e os processos em andamento, inclusive com sentenças condenatórias prolatadas e mantidas por três desembargadores e quatro ou cinco Ministros do Superior Tribunal de Justiça, sempre por unanimidade.

César Dario Mariano da Silva. Foto: ARQUIVO PESSOAL

Dizer que houve inúmeros abusos e vícios processuais não procede. Claro que houve alguns, que foram reconhecidos em segunda ou terceira instância e a legalidade recomposta. Mas nada que pudesse macular toda a operação, que foi respaldada por estes tribunais na imensa maioria dos processos.

Com efeito, o que ocorreu na Itália também adveio aqui. O mecanismo contra-atacou e aos poucos minou toda a operação de modo, não a inocentar os condenados e acusados, já que as provas abundam nos autos, mas a anular os processos por vícios processuais formais, no meu modo de ver inexistentes na boa parte dos casos, o que comumente ocorreu no país em situações desse tipo, anotando que a prescrição é quase certa em praticamente todos os processos.

Mesmo com todo o sucesso da operação e com o empenho de verdadeiros heróis nacionais, passam os mocinhos a serem chamados de bandidos e os bandidos se arvoram em heróis e vítimas, que, segundo muitos interessados no retorno do status quo, apenas perseguiu políticos e empresários dignos, que se enriqueceram às custas do trabalho honesto.

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Enfim, a esperança em um país livre da corrupção e da impunidade para os poderosos não passou de um sonho, que parece muito longe de ser realizado.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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