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América Latina aproveita as Spacs como nova fonte de capital

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Por Ana Carolina B. Audi e Talbert I. Navia
Atualização:
Ana Carolina B. Audi e Talbert I. Navia. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Companhias americanas e latino-americanas, gestores de fundos de investimento e indivíduos com sólida reputação na América Latina estão olhando cada vez mais para as Empresas de Aquisição de Propósito Específico, comumente conhecidas como SPACs, como uma fonte de capital para financiar aquisições na América Latina.

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As SPACs são sociedades recém-constituídas, sem ativos e sem operações, que levantam capital por meio de uma oferta pública inicial de ações (IPO) baseadas na reputação do gestor (sponsor) e da equipe de administração, no seu conhecimento de um setor, indústria e/ou região, e na sua habilidade de identificar alvos para aquisição e concretizar uma combinação de negócios dentro de até 24 meses a partir da data do IPO. Após a combinação, a target se torna pública e passa a ter valores mobiliários negociados na bolsa de valores dos EUA.

Ao contrário dos EUA, desde 2019, a América Latina viu menos de uma dúzia de SPACs anunciadas. Menos da metade delas concluíram combinações de negócios. Algumas acessaram apenas o mercado dos EUA, enquanto outras fizeram ofertas globais que incluem captação nos países de origem, notadamente o México e em alguma medida também no Brasil. A partir de abril de 2021, duas ofertas globais no México (Promecap e Vista) captaram US$300 milhões e US$650 milhões, respectivamente. No Brasil, embora não tenha havido nenhuma oferta pública local de SPACs até o momento, foram captados localmente valores expressivos no âmbito de SPACs com foco no Brasil (sponsor brasileiro ou potencial busca por ativos locais).

Entre 2020 e 2021, foram realizadas nos EUA ofertas públicas de SPACs geridas por brasileiros, como HPX, Waldencast (da gestora Dynamo), Itiquira e Patria Acquisition. Os valores levantados por cada uma estão, em média, entre US$200 e US$350 milhões, tendo havido também sucesso na captação local no Brasil por meio de estruturas como fundos de investimento. Tais veículos têm como objetivo a aquisição de ativos nas áreas de área de tecnologia, healthcare, beleza, farmácia, educação, entre outros.

 DESMISTIFICANDO O PROCESSO DE IPO DA SPAC

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Abaixo as principais etapas sobre o processo de IPO da SPAC nos EUA, que leva aproximadamente 3 meses:

  • Jurisdição de Constituição: O sponsor constitui a SPAC (offshore ou nos EUA, dependendo de considerações fiscais) e a SPAC emite 20% das ações ordinárias ao sponsor por um valor simbólico.
  • Form S-1: O sponsor protocola um prospecto simples com a SEC para o registro das units (geralmente uma ação ordinária e um warrant ou uma fração de um warrant) com preço de US$10,00 por unit.
  • Listagem e Administração: A SPAC deve atender aos requisitos de listagem da NASDAQ ou NYSE no momento do IPO e nas etapas de combinação de negócios da empresa-alvo.
  • Conclusão da Oferta: O sponsor e os underwriters precificam e encerram o IPO e depositam 100% dos recursos captados com o IPO em uma conta-garantia remunerada até que a combinação de negócios seja fechada em até 24 meses. Se a combinação não for concluída dentro do prazo estipulado e não houver extensão, os recursos são devolvidos aos investidores.

 DE-SPACing: COMBINAÇÃO DE NEGÓCIOS

Esse processo de M&A da SPAC com uma empresa-alvo privada é conhecido como de-SPACing. As normas da SEC exigem que o valor justo de mercado da empresa-alvo não seja inferior a 80% do valor depositado na conta-garantia. O processo de de-SPACing leva em média 6 meses desde a identificação da empresa-alvo até o encerramento da combinação de negócios:

  • Identificação da Target: O sponsor identifica a empresa-alvo e envia uma carta de intenções não-vinculativa. O preço de compra é geralmente composto por dinheiro e ações.
  • Due Diligence: O sponsor realiza due diligence na target e negocia o contrato de aquisição. A target também realizará due diligence em relação ao sponsor e o potencial time da administração que assumirá após o de-SPACing.
  • Recursos Adicionais: Se necessário, o sponsor deve considerar um PIPE, contratos de compra futura e backstop agreements de modo a ter segurança de recursos para o fechamento e honrar o preço de compra.
  • Aprovação em Assembleia: O sponsor e seus assessores legais preparam os documentos necessários para votação dos acionistas da SPAC - proxy statement - que incluirá demonstrações financeiras da SPAC e da target com relação aos 2 anos fiscais mais recentes, descrição da empresa pós-transação, da administração, da governança corporativa e contratos relevantes. Incluirá, ainda, informações financeiras pro forma sobre a combinação de negócios, análise e discussão da administração ("MD&A") sobre a performance da SPAC e da empresa-alvo, incluindo projeções.
  • Proxy Statement: O sponsor e a equipe de administração enviam o proxy statement final (três semanas antes da data da votação) e realizan roadshow para apresentar aos investidores o deal.
  • Finalização do Processo: Os acionistas votam a aprovar a transação de-SPAC, há o fechamento da operação e a target assume a listagem da SPAC e torna-se uma empresa de capital aberto com valores mobiliários publicamente negociados na bolsa de valores.

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As razões significativas para o aumento de interesse por SPACs na América Latina após a explosiva atividade nos EUA é explicado principalmente porque as SPACs oferecem aos sponsors um processo mais simples e seguro para levantar capital publicamente a fim de financiar aquisições de empresas de alto crescimento ou similarmente atrativas, ao mesmo tempo que reduzem o risco de abertura de capital das empresas-alvo por meio de um IPO tradicional, tendo em vista que o preço pré-negociado elimina a incerteza na precificação inerente ao processo de IPO.

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Os sponsors globais focados em adquirir empresas-alvo na América Latina podem ter interesse prioritário na captação no mercado americano ou em seus países de origem. O Brasil, por exemplo, possui em seu arcabouço regulatório os mecanismos necessários a permitir captações por meio de uma SPAC incorporada de forma doméstica, desde que conforme discussões e alinhamento prévios com o regulador. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestou nesse sentido no âmbito da discussão em curso sobre ofertas públicas, independentemente de haver legislação específica para o produto.

*Ana Carolina B. Audi é sócia nas áreas de Fusões e Aquisições, Private Equity e Venture Capital no escritório Demarest. Possui mestrado pela Universidade da Pensilvânia e Wharton Business School (EUA), graduação e mestrado em Direito Civil pela PUC-SP, e licenciatura para exercer a advocacia tanto no Brasil como no estado de Nova Iorque

*Talbert I. Navia, graduado pela Faculdade de Direito de Harvard, é copresidente da prática latino-americana e membro do Comitê Executivo do escritório Winston & Strawn LLP

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