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Opinião|Bar de samba, samba sobre bar

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Desde os seus primórdios o samba procurou retratar em suas letras a realidade social e cultural das respectivas épocas. Os vários aspectos da vida brasileira foram fixados em canções que espelham o pensar do homem médio, os seus hábitos, idiossincrasias, venerações, mazelas, carências sociais, a vida nos morros, enfim, todas as nuances de uma sociedade plural, multifacetada e marcada por uma grande diferença social.

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Importante realçar que os locais de exibição dos sambistas sempre constituíram espaços de importante sociabilidade, congraçamento e construção de amizades. Claro que, como em todo conglomerado humano, discórdias e conflitos  também surgiam.

Um dos locais marcados como centro de cantadores, compositores e executores do samba foi a Praça Onze, no Rio de Janeiro. Os morros igualmente abrigavam núcleos dedicados às batucadas, sambas de roda, samba do partido alto, sede das escolas de samba. As favelas em São Paulo também reuniam autores e batuqueiros.

Posteriormente, na época da ascensão da bossa nova, o samba migrou para a classe média e locais por ela frequentados. Ele não mais era exclusividade dos morros, das favelas e dos cortiços. A zona sul do Rio e os Jardins, em São Paulo, passaram a ouvi-lo e a divulgá-lo.

Na pauliceia, nas décadas de cinquenta e sessenta, bares como Jogral, Bossinha, Igrejinha, João Sebastian Bar, Nick Bar, Baiuca, dentre outros, passaram a difundir a bossa nova e a mesclavam com o samba canção. Os bares se transformando em instrumento de disseminação do samba.

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Ao lado dos bares e, anteriormente, das gafieiras, destacando-se o Som de Cristal e o Paulistano da Rua da Glória, os bares dos hotéis, como o Jaraguá e o Othon, se tornaram também instrumentos da ampliação do universo do samba. Para não se cometer injustiça, não se pode esquecer do teatro. O chamado teatro rebolado, teatro de revista e as peças musicais igualmente tiveram papel fundamental na expansão do samba.

Os sambistas, por sua vez, sempre elegeram os bares como tema de várias composições. De uma forma desordenada eu cito “Naquela Mesa”; " Conversa de Botequim”; “Dama do Cabaré”; “Garota de Ipanema”; Café Nice”; " Pistom  de Gafieira” ; Botequim do Martinho”; " Ronda” sem esquecer de vários CDs denominados “Samba de Barzinho” com algumas músicas se referindo aos botequins e aos bares.

Deve ser feita referência a um bar que encarnava a profunda identidade entre bares e samba. Trata-se do Café Nice, no Rio de Janeiro, onde compositores, músicos e cantores diariamente se reuniam para apresentar suas novas músicas, discutir o permanente problema dos direitos autorais, celebrar contratos para apresentações e gravações. Enfim, o Café Nice concentrou e transformou um simples bar no universo musical do Rio de Janeiro  durante anos.

É importante realçar que também por anos não só o Nice como outros bares, especialmente os situados na Lapa, foram o centro de uma prática corrente naqueles tempos. A compra e venda de sambas. Compositores, que em regra viviam em estado de penúria financeira, vendiam as suas composições. Na outra ponta, outros não tão inspirados, mas mais abonados, compravam as músicas para que os discos estampassem os seus nomes, como se fossem de sua autoria.

Há um samba de Gonzaguinha, gravação dele e de Alcione, de 1985, que reflete com fidelidade todos os encantos de um bar e as inúmeras vertentes da vida que por ele passam. Logo no início já afirma que na mesa de bar “é lugar para tudo que é papo da vida rolar”. Tudo rola do futebol até a “danada da tal da inflação”. A cerveja é cantada para matar o calor e brindar " àqueles que já não vem mais”. A bela poesia diz que em torno de um copo a gente inventa uma vida melhor, pois em uma mesa de bar todo o mundo “é sempre o melhor”, e “a água da mágoa se enxuga no pano daquela toalha”.

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O samba tem no bar o seu berço, o seu espaço de culto e especialmente o seu  ambiente de harmonia com a vida.

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Foto do autor Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Antonio Cláudio Mariz de Oliveirasaiba mais

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Advogado. Foto: Felipe Rau/Estadão
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