Senhores ministros,
Daqui de São Paulo e um tanto decepcionado com os rumos dos movimentos radicais que pulsam nas sociedades mundo afora e procurando focar no mundo que vivo e trabalho - isto é, em meu (não tão) microuniverso -, gostaria de deixar de lado temas ideológicos e debates de casos concretos para, com a devida vênia, ousar sugerir a Vossa Excelências uma solução ao estilo do Rei Salomão (ou quase) para o tema da execução da pena em segunda instância ou depois dela.
Penso ainda haver tempo hábil para isso, seja porque a data para os últimos votos do julgamento ainda não chegou, seja porque ainda escolho alimentar meu lado ingênuo, na esperança de não perder de vista a crença em um mundo mais justo e equilibrado, longe dos radicalismos.
Dito isso, gostaria de ver uma solução intermediária e juridicamente possível.
Não discordo de que a interpretação literal da CF aponta para que se aguarde o trânsito em julgado da decisão.
Porém, também não posso discordar que a própria CF diz no art. 102, III que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da própria Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Lei Maior e julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Diz ainda o art.105, III, que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal e, finalmente, der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Não precisaria dizer a Vossas Excelências, mas reputo importante para compreensão da ideia indicar a quem não milita na área do Direito que nem todos os recursos processuais após a decisão de Segunda Instância serão analisados, no conteúdo, pelos Tribunais Superiores.
Após a decisão de Segunda Instância os Tribunais Superiores não podem mais avaliar questão de prova (assim indica a Súmula nº 7 do STJ - "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial"). Significa dizer que, se o questionamento do recorrente se der, exclusivamente, pela análise feita sobre a prova colhida no processo, o recurso não será nem analisado. Encerra-se a discussão, sob tal ótica, na decisão de Segunda Instância.
E, também, porque é necessário que a matéria a ser enfrentada tenha sido questionada na origem (com debate específico acerca de determinado tema) ou que se tenha repercussão geral do caso (isto é, a decisão não se limitará ao caso concreto analisado, mas terá influência em todos os demais semelhantes país afora). Diversas súmulas tratam do assunto, como as de número 211 e 320 do Superior Tribunal de Justiça e as de número 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal, por exemplo.
Explicando ao leigo, julgamento de Segunda Instância é aquele que acontece nos tribunais locais, compostos de magistrados mais antigos e que decidem de forma coletiva um caso, revendo, após um recurso, o que foi decidido por um juiz 'singular' - sob a visão filosófica de que um ato revisto por um grupo de pessoas mais experientes pode vir a ser mais corretamente julgado do que se visto uma única vez por alguém sozinho.
Nas hipóteses em que a parte que litiga ingressa com Recurso Especial ou Extraordinário, após o julgamento da Segunda Instância, acontece uma fase de avaliação acerca da possibilidade daquele recurso seguir ou não seu caminho para os Tribunais Superiores (o que apenas acontece se estiver de acordo com aquelas premissas dos artigos 102, III e 105, III da CF). É conhecida por juízo de admissibilidade.
Se o seguimento é negado (e tal avaliação tem sido feita, inicialmente, nos próprios tribunais de origem, por um julgador detentor de tal atribuição específica), pode a parte recorrer por meio de um agravo e a avaliação segue para ser (re)feita nos respectivos Tribunais Superiores. Entretanto, a parte não terá seu recurso analisado pelo conteúdo se a negação anterior for confirmada, isto é, novamente, acontecer a recusa calcada naquela avaliação preliminar (o juízo de admissibilidade), uma vez não atendidos os mencionados requisitos exigidos na CF, embora o tempo continue seguindo seu curso.
Minha sugestão aos senhores ministros: uma vez tendo a parte ingressado com Recurso Especial ou Extraordinário e já realizado o juízo de avaliação de seu seguimento, caso denegado, autoriza-se, então, a execução provisória da pena.
Protocolado o agravo, em se concedendo o efeito suspensivo (faculdade do julgador, calcado em fundadas justificativas de possível provimento do recurso, em momento que será verificada a "fumaça do bom direito" ou fumus boni juris, que segundo Vicente Greco Filho[1] "é a probabilidade ou a possibilidade da existência do direito invocado" e também o "perigo da demora"- periculum in mora - que se caracteriza, segundo Humberto Theodoro Junior[2], com a "plausibilidade do dano"), suspende-se aquela execução e, também o curso do prazo prescricional. Se não concedido o efeito ativo (diante da efetiva probabilidade de não seguimento ou provimento do recurso), segue-se, então, a execução. Lembrando que a decisão acerca da admissibilidade é sempre mais rápida do que, porventura, aquela sobre o conteúdo (de maior complexidade).
Justifico: Se não há chance de o recurso à instância superior prosperar já na fase de admissibilidade, não há porque se albergar a tese de que a execução da pena deva aguardar seu julgamento final (visto que o termo 'trânsito em julgado' se limitará a uma discussão semântica e literal, sem efeito prático). Nesse caso teremos a decisão de segunda instância (ainda no âmbito de avaliação da prova) prestigiada, e, ao mesmo tempo, a garantia de que foi feita a avaliação da efetiva possibilidade ou não de um recurso aos Tribunais Superiores ser analisado no conteúdo, respeitada a questão temporal.
De outro lado, se há fundados indícios de que a parte que recorre tem alguma razão e o questionamento preenche os requisitos da Constituição Federal para ser admitido, a concessão do efeito suspensivo (desde que acompanhada da suspensão do prazo de prescrição), evitará injustiças de lado a lado (seja no âmbito penal, no enfrentamento sociedade x indivíduo, seja no âmbito civil, no cotejo entre partes). Nessa segunda hipótese, a pena, não será executada antes do 'trânsito em julgado', termo esse que ganha, então, efetivos contornos de importância no cenário real, na vida da natureza das coisas.
Sei que vários e complexos tem sido os argumentos levantados e trazidos nas discussões da Suprema Corte e todos eles merecedores de respeito, porque calcados em vasto conhecimento e experiência jurídica de seus integrantes e fruto das liberdades próprias de uma democracia. Ainda assim, me pareceu que a sugestão poderia atender - em suposta modulação final - certo parâmetro de equilíbrio quanto às teses em debate. Admitindo, desde logo, que, aceito a crítica de que há certa ousadia em realizar uma proposta aberta, simplificada e no tempo derradeiro do debate, gosto de pensar que a vida ensina que é na simplicidade das pequenas coisas que encontramos o afago de um carinho que acalenta as emoções, o que, em momento tão conturbado de nossa convivência em sociedade, pode vir a ser um toque de aceno para os acordes harmônicos.
*Luiz Fernando Rodrigues Pinto Junior é procurador de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos do Ministério Público do Estado de São Paulo.
[1] Direito Processual Civil Brasileiro, p.154, S.Paulo, Saraiva, 1994.
[2] Processo Cautelar, p.78, S.Paulo, LEUD, 1987.