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CNJ pode punir desembargador investigado por venda de habeas corpus e participação em homicídio

Julgamento de Luiz Antônio Mendonça, ex-secretário de Segurança de Sergipe, teve início com voto do corregedor nacional de Justiça favorável ao seu afastamento; defesa nega acusações

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

Oito anos após o início das investigações, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julga a abertura de um processo disciplinar que pode levar ao afastamento do desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe Luiz Antônio Araújo Mendonça. O magistrado é suspeito de vender habeas corpus e de participar do homicídio do beneficiário da decisão - que era acusado de integrar um grupo de extermínio ligado ao tráfico de drogas. Conforme investigação da Polícia Federal (PF), Mendonça também é suspeito de negociar decisões judiciais para beneficiar outros três traficantes.

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A defesa do magistrado nega envolvimento dele nos casos sob investigação. O julgamento da abertura do processo disciplinar contra Luiz Antônio Araújo Mendonça começou na última terça-feira, 14, com o voto do corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.

O ministro foi favorável ao afastamento cautelar do desembargador. "Há elementos suficientes para, na atual fase procedimental, sustentar a conclusão de que a permanência do desembargador no cargo colocará em risco a instrução processual", disse. Para Salomão, o magistrado não pode continuar no cargo "diante dos graves indícios" contra ele.

O desembargador Luiz Antônio Mendonça. Foto: Ascom TJBA/Reprodução

Mendonça foi promotor de Justiça e procurador. Durante a carreira, exerceu cargos políticos. Foi duas vezes secretário de Segurança Pública do Estado no governo de João Alves Filho (1941-2020), que o indicou ao TJ pela vaga destinada ao Ministério Público. Apareceu no noticiário nacional quando escapou de um atentado: foi alvo de uma rajada de metralhadora à luz do dia em Aracaju. O suspeito do crime seria um agiota que acabou morrendo anos depois em uma troca de tiros com a PF e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Em agosto de 2014, Mendonça passou a ser investigado pela Polícia Federal quando seu nome foi mencionado em interceptações telefônicas no âmbito da Operação Poço Vermelho, que apurava um grupo de extermínio ligado à venda de drogas e armas. De acordo com as investigações, a organização tinha como líder José Augusto Aurelino Batista. Pelo menos três grampos telefônicos mostram José Augusto e outros investigados mencionando uma suposta tratativa com o magistrado.

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Conforme a PF, em uma das conversas, José Augusto ouve de um interlocutor que o "desembargador está na fazenda". "Porque por telefone é complicado [...] Ele disse: se vim tarde num consegue não, porque ele disse que tem um compromisso." No mesmo dia, de acordo com a investigação que tinha como base a quebra de sigilos, José Augusto esteve na fazenda do magistrado. O encontro é admitido por Mendonça. Em sua defesa, o desembargador disse ter se assustado com a abordagem e afirmou que, à distância, antes do portão da propriedade, ordenou que o acusado por tráfico fosse embora.

Três dias após o encontro, o desembargador votou a favor da revogação do mandado de prisão. Em um dos grampos identificados pela PF, José Augusto comemora a decisão. "Deu. Ganhamos o Alvará [...] Se não fosse o negócio de sábado lá na fazenda do homem era pau!!!". Nas conversas captadas pela interceptação telefônica, José Augusto reclamou com um interlocutor da cobrança de seu advogado por honorários, porque, em sua visão, foi ele "quem correu atrás". Em outra gravação, o acusado citou nominalmente o desembargador e contou a outro investigado que passou em sua fazenda.

O desembargador Luiz Antônio Mendonça. Foto: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe/Reprodução

Execução

O julgamento com voto favorável de Mendonça à soltura de José Augusto, no entanto, acabou derrubado pelo Tribunal de Justiça do Sergipe meses depois. Após o revés no TJ, a PF identificou, com base na quebra de sigilo telefônico, uma série de tentativas sem êxito de contato do acusado com o desembargador. Na madrugada de 15 de outubro de 2014, três dias após José Augusto tentar insistentemente contato com o magistrado, ele foi morto em uma ação da Polícia Civil. Os policiais foram às 3h na casa de José Augusto para cumprir o mandado de prisão. A perícia mostrou que ele levou tiros à queima roupa e foi alvejado também pelas costas.

A PF passou a investigar o caso. O sepultamento do acusado foi atrasado para a produção de um laudo sobre o corpo. Neste documento, a perícia apontou indícios de "execução sumária" em razão da distância dos tiros, da quantidade de disparos e do fato de ele ter sido atingido pelas costas. Conforme a investigação, a esposa de José Augusto afirmou em depoimento que ele foi executado quando estava ao seu lado, em um sofá. Perícia detalhada no local concluiu que não houve indícios de troca de tiros, nem de luta corporal.

Conforme a investigação da Polícia Federal e o relatório de Salomão no CNJ, os policiais que participaram da ação que resultou na morte de José Augusto foram promovidos e assumiram cargos de direção da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública do Estado.

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O promotor original do inquérito foi promovido e a investigação foi deslocada para o promotor Henrique Ribeiro Cardoso, que arquivou o caso. A Polícia Federal buscou Cardoso para pedir diligências sobre o caso. Em um documento da PF obtido pelo Estadão, consta o relato de que o promotor disse que iria "matar no peito" a investigação. "Sei que posso apanhar muito, mas tenho 18 anos de MP e o meu lombo está calejado. Vou pedir o arquivamento e se o juiz não concordar, voltará para o Procurador Geral e ele promoverá o arquivamento".

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Ao Estadão, o promotor afirma que guarda todas as conversas que teve à época com delegados da PF e que em nenhum momento disse algo nestes termos. “Jamais disse que mataria no peito a investigação”. Cardoso também mostrou à reportagem que guarda este acervo de conversas. “Todo o teor da conversa demonstra profissionalismo e uma postura colaborativa”, diz.

A respeito do mérito do pedido, o promotor ressalta que promoveu o arquivamento em uma peça de mais de 40 páginas, que foi acolhida pelo juiz. Ele reafirma que a versão do depoimento da viúva não ficou comprovada, e que os policiais envolvidos na operação precisaram atirar porque o investigado abriu fogo contra os agentes. “As interceptações telefônicas mostravam que havia a preparação para um cenário de conflito com a polícia, e que os investigados se articularam para aguardar os agentes, inclusive no telhado da casa de José Augusto”.

Há suspeita, segundo a PF, de que o desembargador tenha influenciado para embaraçar as investigações. Investigadores identificaram que, no dia da morte de José Augusto, o celular do desembargador fez diversos contatos com números da Polícia em Poço Verde, cidade onde o acusado morava e foi morto.

Outros casos

A PF ainda identificou outros três casos em que há suspeita de venda de habeas corpus pelo desembargador. Em um deles, o suspeito foi solto mesmo após ser preso com 54 kg de crack e confessar o crime. Em outro, o suspeito portava 65 kg de cocaína. O magistrado é também investigado por lavagem de dinheiro com o uso de transações imobiliárias.

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Pela suspeita de vender decisões judiciais, Mendonça foi alvo de buscas e apreensões em novembro de 2022, autorizadas pelo ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro determinou, neste ano, que a PF apresente um relatório final sobre as investigações. Após a conclusão da PF, a PGR decidirá se denuncia (acusação formal) ou não o desembargador.

O magistrado é defendido pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Na última sessão do CNJ, em sustentação oral, Cardozo afirmou que os grampos não mostram nada além de estratégias de advogados para cobrar honorários de José Augusto. "Pede-se dinheiro para falar com desembargadores e os advogados apresentam uma convicção de que seriam julgados procedentes. Se os advogados utilizaram essa estratégia para cobrar honorários de seus clientes, o desembargador não tem nada a ver com isso."

Também reafirmou que a morte do acusado por tráfico se deu após troca de tiros com os policiais, e que não ficou provada a execução. "A PF diz que esse extermínio foi comandado por ordem do desembargador. Por que? Porque era um homem poderoso, porque o assassinado, o réu, havia procurado o desembargador após o julgamento. E daí? Onde está a prova da ordem, do comando? Não há. Peço que vasculhem os autos. Não há."

Sobre fazendas de propriedade de Mendonça que estão em nome de uma empresa, o ex-ministro argumentou que estão declaradas no Imposto de Renda do magistrado, e que apenas não estão em seu nome em razão de um entrave legal. "Ele juntou no processo os documentos da compra dessas fazendas. Por que não transferiu a propriedade? Porque há dívidas", afirmou.

Procurada pela reportagem, a defesa de Mendonça ainda não se pronunciou.

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