Decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que reitera o que já estabelece a Lei do Inquilinato quanto a penhora de imóvel de fiador em contratos de locação comerciais ou residenciais -- mesmo este sendo o único bem do garantidor, em casos de inadimplência -- representa um grau adicional de segurança jurídica para o mercado imobiliário brasileiro. Afinal, a determinação do STF, que tem repercussão geral, põe fim a questionamentos jurídicos e a interpretações diferentes de instâncias inferiores da Justiça quanto à penhora desses imóveis, o que desestabilizava as relações entre proprietários e locatários.
A novidade é muito bem-vinda, mas fato é que, ao longo do tempo, o mercado imobiliário tem sido eficiente em contornar essas e outras questões controversas sem que sejam necessárias legislações ou regulamentações específicas. Como demonstraram as dificuldades impostas pela pandemia nos últimos dois anos, a maturidade alcançada pelo mercado permitiu que atravessasse o período de crise aguda contando com seu poder de diálogo e negociação.
Não por acaso, acabou infrutífera, por exemplo, a intenção legislativa de determinar a obrigatoriedade do uso do IPCA como índice oficial de reajuste dos contratos de locação de imóveis residenciais e comerciais, substituindo o IGP-M, adotado tradicionalmente pelo mercado. O projeto de lei com a proposta foi motivado pela alta expressiva do IGP-M nos primeiros meses depois do início da pandemia -- a ideia era que os aumentos dos contratos fossem mais amenos com o IPCA. Ocorre que, naquelas circunstâncias (hoje já superadas), os próprios donos de imóveis locados e inquilinos, com a indispensável intermediação de imobiliárias, se mobilizaram para negociar reajustes mais adequados ao momento ou até sua suspensão temporária -- uma demonstração clara da capacidade de autorregulação do mercado imobiliário.
Outro ponto relevante é o nível historicamente baixo dos despejos por falta de pagamento no ano de 2021. Nesse sentido, de pouco valeu a determinação de uma lei, editada no fim do ano passado, proibindo a desocupação coercitiva de imóveis alugados nos casos de inadimplência. A capacidade de acomodação do mercado imobiliário, também nessas situações, garantiu que, antes que fosse necessário recorrer a ações de despejo, as partes envolvidas nos contratos conversassem para chegar a um bom termo para todos, refletindo nos baixos índices de inadimplência e mora no mercado locatício.
Vista de maneira ampla, essa dinâmica acabou amenizando os impactos de uma crise que teve efeitos devastadores em outros setores da economia. Da perspectiva dos locatários, a possibilidade de contar com fiador representa custos mais baixos, favorecendo os candidatos a inquilinos, em especial pequenos e médios empreendedores que precisam alugar espaços para seus negócios. Do ponto de vista dos locadores, a possibilidade da penhora de imóvel do fiador para garantir a quitação de inadimplência do inquilino representa segurança na locação. Já no contexto do mercado como um todo, a confirmação da penhora também deixa imobiliárias, locadores e locatários mais preparados para as dificuldades futuras. Além disso, vale destacar, uma decisão diferente do STF teria o poder de provocar reflexo ainda mais abrangente, como a falta de investimentos em imóveis para renda, assim como poderia frear a construção civil, considerada uma das principais locomotivas de geração de emprego e renda no Brasil.
No fim das contas, a ideia da livre iniciativa -- citada, inclusive, pelo relator do caso que motivou o processo julgado pelo STF, ministro Alexandre de Moraes, em seu voto -- é o que fortalece, a cada dia mais, o mercado imobiliário brasileiro. Flexibilidade e negociação são ferramentas-chave nesse processo, e que os agentes desse mercado têm conseguido usar a contento.
*José Roberto Graiche Júnior, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo