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Opinião|Crime organizado e máxima de experiência

Método de análise a respeito da valoração das provas, a chamada máxima de experiência tornou-se comum nos tribunais europeus, especialmente italianos, a partir da compreensão de que o Juiz, como Ser Humano, não pode deixar de avaliar questões e aspectos que são orientados pela sua vivência para aplicá-los quando analisa fatos e provas inseridos no âmbito de um processo criminal

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convidado
Por Marcelo Batlouni Mendroni

Quando um chefe da máfia ordena ao seu subordinado o assassinato de um mafioso traidor, ele o faz de forma mais que sigilosa, com um sussurro no seu ouvido, de forma a não deixar qualquer evidência material que possa ser obtida e reproduzida a respeito daquela ordem de comando. Ele apenas diz no pé do ouvido do mafioso assassino: “Um disparo no rosto” - (código para a forma de como eliminar aqueles que são considerados traidores). Então, sem evidências materiais, apenas utilizando a máxima de experiência é que um Juiz, conhecendo todo o modus operandi tradicional da máfia, é que ele poderá ter a convicção de que aquele mafioso somente agiu daquela forma, executando um integrante da sua própria organização, porque essa foi a ordem recebida, para ser executada exatamente daquela forma.

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Método de análise a respeito da valoração das provas, a chamada máxima de experiência tornou-se comum nos tribunais europeus, especialmente italianos, a partir da compreensão de que o Juiz, como Ser Humano, não pode deixar de avaliar questões e aspectos que são orientados pela sua vivência para aplicá-los quando analisa fatos e provas inseridos no âmbito de um processo criminal.

As provas dos autos devem ser analisadas diante de todo o seu contexto de forma lógica e sistemática complementária; e não literal, de forma individualizada. Cada elemento de prova deve estar em consonância com outros para que sejam capazes de formar um influxo racional coerente a respeito da comprovação de fatos e condutas imputadas.

Se uma prova é admitida nos autos do processo, já se considerando, portanto, não ter sido obtida através de algum meio ilícito; no momento oportuno, que é a Sentença de mérito, ela deverá ser valorada. Assim, cada evidência e cada prova deve ser analisada no contexto com as demais, tanto produzidas pela acusação quanto pela defesa.

Então, sobre a sua aplicação, o Juiz criminal, ao avaliar um contexto probatório, em qualquer caso, mas de forma mais especial em sede de criminalidade organizada, econômica, ou complexa, o Juiz não só pode como deve se valer da “máxima de experiência”, expressada como a análise crítica das provas, em face do seu contexto objetivo, mas também no seu “interior”, no respectivo subjetivismo, nas suas entrelinhas, nas “informações ocultas”, nas referências, na compreensão da representação e do significado do fato; enfim, naquelas circunstâncias que ele, como um Ser Humano, consegue abstrair daquilo que não é claro nem aparente, que não está escrito, mas sabe existir, e pode fundamentá-lo.

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Insere-se no âmbito da análise, o inafastável estudo, através do específico no âmbito da criminologia; da forma de agir dos integrantes de uma organização criminosa, especialmente nas de cunho tradicional (modelo mafiosas) a partir do conhecimento de suas principais características, dos seus códigos de inserção (ex. ritual de inicialização), de conduta, das formas de julgamentos de punições, da criação de células, de grupos, “famiglias”, ramificações ou “Sintonias”, da forma e momento de agir (modus operandi), etc.

Não se concebe a possibilidade de que o Juiz julgue apenas em face do conhecimento de um fato histórico e da aplicação mecânica das normas legais, pois ele deve realizar, nesse contexto, um exercício de raciocínio que transforma aqueles dois aspectos em algo significativo. A “máxima de experiência” se coloca entre os limites do “verdadeiro” e do “falso”, no sentido de que, hipoteticamente, poderia ser usada a partir de uma extrema situação falsa. Tudo, evidentemente, deverá ser explicitado na motivação, indicando-se claramente qual a compreensão que se atribui àquele contexto, a fim de que possa ser rebatida pelas partes em eventual plano recursal.

Explica Franco Cordero que a aplicação da máxima de experiência decorre de uma segunda etapa da valoração probatória. Depois de haver constatado a existência do fato imputado ao acusado, deve o Magistrado prosseguir com o raciocínio, valendo-se de procedimentos empíricos para concluir sobre as situações de fato que o contornam, apreciando sua possibilidade e viabilidade.[1]

A utilização da máxima de experiência, portanto, foi criada a partir da compreensão de que a capacidade cognitiva dos juízes em relação às questões e fatores da sua experiência de vida, somados ao conhecimento criminológico de uma organização criminosa ou de uma associação criminosa não podem ser ignoradas e afastadas, mas, ao contrário, devem receber relevante consideração para a formação do seu convencimento.

O impulso que se produz em nós diante da prova, e que comunica o movimento ao que chamamos de fiel da balança da consciência, pode ser mais ou menos poderoso”. Carl Joseph A. Mittermaier.

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[1] Cf. CORDERO, Franco. Ter studi sulle prove penali. Milano: Giuffrè Editore, 1963, p. 11-12

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Marcelo Batlouni Mendroni
Procurador de Justiça/SP. Foto: Arquivo pessoal
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