PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Descarbonização: a força dos contratos

Por Camila Mendes Vianna Cardoso e Paulo Campos Fernandes
Atualização:
Camila Mendes Vianna Cardoso e Paulo Campos Fernandes. Foto: DIVULGAÇÃO

Diversas convenções e tratados internacionais têm impulsionado os esforços para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a atmosfera, processo esse comumente chamado de descarbonização.

PUBLICIDADE

Nesse sentido se destacam: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC), que entrou em vigor em março/1994 e foi adotada por 198 países; o Protocolo de Kyoto, de dezembro de 1997, adotado por 192 países e o Acordo de Paris, de dezembro/2015 e adotado por 196 países.

Este movimento global tem criado em todos os setores da economia uma consciência cada vez maior sobre a importância da descarbonização nos negócios, independente dos compromissos assumidos pelos países em tratados internacionais.

Os programas de redução das emissões de GEE adotados pelas empresas variam em relação ao seu conteúdo, podendo alcançar o Escopo 1 (emissões diretas de GEE originadas de fontes que são de propriedade ou controladas pela empresa) e/ou Escopo 2 (emissões indiretas resultado da geração de energia elétrica adquirida pela empresa) e/ou Escopo 3 (outras emissões indiretas).

O gerenciamento das emissões de GEE do Escopo 3 é, em muitos casos, mais difícil de realizar do que os outros escopos, tendo em vista que envolve interação com terceiros. Além disso, se destaca que para alguns setores, as emissões do Escopo 3 podem representar até 80% do total do inventário de emissões de GEE da empresa.

Publicidade

Nesse sentido, é oportuno analisar os programas de descarbonização de empresas que tem requisitos específicos estabelecidos em seus contratos com terceiros.

Primeiramente, é oportuno conhecer os requisitos estabelecidos pelos agentes financeiros em contratos com seus clientes. Tais agentes tem papel primordial na descarbonização da economia por serem estes os provedores, direta ou indiretamente, de grande parte do custo de capital de empreendimentos e de seus seguros. Como referência destacamos as recomendações feitas pelo Glasgow Financial Alliance for Net Zero ("GFANZ"), uma associação composta pelas principais instituições financeiras do mundo, que tem como objetivo acelerar a descarbonização da economia.

A GFANZ identifica as seguintes estratégias que podem ser utilizadas pelos agentes financeiros: financiamento de empreendimentos e serviços focados em tecnologias com baixas emissões de GEE; financiamento de soluções naturais para reduções de emissões de GEE, como por exemplo, projetos de agricultura regenerativa; financiamento de empresas que tem políticas robustas de descarbonização; financiamento para atender objetivos de plano descarbonização; financiamentos para viabilizar a antecipação de retirada de operação de ativos que tem taxa elevada de emissão de GEE.

Também merece destaque a Net-Zero Banking Alliance, que a semelhança da GFANZ, faz recomendações aos bancos membros da associação quanto à descarbonização da sua carteira de investimentos. Diversos bancos e seguradoras brasileiras são membros desta associação.

O êxito da implantação das estratégias de descarbonização das carteiras de investimento ou seguro depende de provisões contratuais que vinculem o agente financiado ou segurado aos objetivos do financiamento ou seguro bem como de um sistema de consequências pelo descumprimento destas obrigações.

Publicidade

Em relação aos demais setores da economia, se observa que diversas empresas estão incluindo em seus programas de descarbonização requisitos para que seus fornecedores de bens e serviços também tenham tais programas, que por sua vez devem estar alinhados com o seu contratante.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Como exemplo desta prática citamos: uma rede internacional de supermercados que criou em 2017 um programa de descarbonização para seus fornecedores, que hoje conta com mais de 4.500 fornecedores inscritos; um fabricante internacional de computadores e acessórios que tem uma política de descarbonização que alcança 95% dos seus fornecedores; um fabricante internacional de produtos para consumo doméstico que tem um extenso programa de descarbonização para alcançar mais de 54.000 fornecedores.

No Brasil podemos destacar: a maior empresa da indústria de óleo e gás que tem em seu programa de descarbonização um item para incluir o engajamento de seus fornecedores em seu programa; uma empresa líder em geração, comercialização e transmissão de energia elétrica tem em seu programa de descarbonização o engajamento da totalidade de seus fornecedores preferenciais com o seu programa; o maior fabricante do setor de bebidas celebrou com os seus fornecedores um compromisso voluntário para realizar ações que visem à redução das emissões de GEE e de impacto climático em suas cadeias produtivas e na prestação de serviço ou produção de materiais direta ou indiretamente ligados entre elas.

O engajamento de fornecedores com programas de descarbonização requer: mapeamento do inventário de emissões dos fornecedores; definição dos requisitos a serem exigidos dos fornecedores; negociação com os fornecedores para implantação destes requisitos, em relação ao conteúdo e prazo; elaboração de cláusulas contratuais para endereçar as obrigações do fornecedor em relação ao cumprimento do programa de reduções de emissões de GEE e os direitos da empresa contratante em caso descumprimento destas provisões. Além disso, de forma mais ampla, se considera a necessidade de atualização dos procedimentos de cadastramento de fornecedores e de contratação de bens e serviços.

Os exemplos aqui mencionados fazem ver que as economias global e nacional estão em ritmo acelerado para se atingir a meta de descarbonização, tendo os contratos um papel relevante nesta transformação.

Publicidade

As empresas que não considerarem em sua cadeia valor a necessidade de descarbonização poderão ficar alijadas de oportunidades tanto para captação de recursos financeiros como a venda de seus produtos ou serviços. O sucesso neste posicionamento depende não somente de um plano adequado, mas também a elaboração de políticas, normas, procedimentos e contratos que materializem a execução do programa de descarbonização.

*Camila Mendes Vianna Cardoso, sócia do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados

*Paulo Campos Fernandes, advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.