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Cheiro ‘insuportável’ no leite da merenda; leia diálogos recuperados pela PF na Operação Desnatura

Investigação mira desvios de R$ 100 milhões no Programa Leite de Todos, gerenciado pelo governo de Pernambuco, que inclui o fornecimento de leite para alunos da rede pública; lucro de empresários era de 178%, segundo a Polícia Federal

Foto do author Fausto Macedo
Por Rayssa Motta e Fausto Macedo
Atualização:

Conversas de WhatsApp recuperadas pela Polícia Federal mostram como funcionários de uma empresa de laticínios discutiram abertamente a adulteração do leite fornecido para escolas públicas de Pernambuco no Programa Leite de Todos.

DOCUMENTO: LEIA TODA A DECISÃO QUE AUTORIZOU A OPERAÇÃO DESNATURA

”Vamos usar nas misturas na proporção que estávamos usando. Dentro deste tem 30% como leite e o restante como soro”, diz mensagem trocada entre um gerente e um supervisor de produção, resgatada pela PF.

Funcionários discutiram abertamente adulteração de leite. Foto: Reprodução

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O Leite de Todos é gerenciado pelo governo de Pernambuco e prevê fornecimento do produto para a população carente e para a merenda escolar.

A Polícia Federal investiga contratos sem licitação fechados com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário de Pernambuco entre 2014 e 2022 (governos João Lyra Neto e Paulo Câmara).

Na última terça, 13, uma força-tarefa da PF, Controladoria-Geral da União (CGU) e Receita Federal deflagrou a Operação Desnatura e prendeu seis investigados. Buscas foram realizadas em 20 endereços de suspeitos.

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A PF estima em R$ 100 milhões o tamanho do desvio. A Justiça Federal decretou o bloqueio de R$ 95 milhões de contas de alvos da operação.

A Desnatura é uma nova etapa da Operação Lácteos, de novembro de 2022. A investigação não cita agentes públicos ou políticos.

Os recursos supostamente desviados deveriam ter sido destinados à aquisição do leite fornecido por pequenos produtores rurais inscritos no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Família, segundo a PF.

Peritos criminais federais e do Laboratório Federal de Defesa Agropecuária, em Pernambuco, atestaram a baixa qualidade do leite fornecido, apontando ‘adulteração em sua composição, com redução considerável do seu valor nutricional’.

Peritos concluíram que leite analisado era impróprio para consumo humano. Foto: Reprodução

‘Cooperativa de fachada’

Segundo o inquérito da PF, empresários pernambucanos teriam usado pelo menos uma cooperativa - a Cooperativa de Pecuaristas e Agricultores de Itaíba -, para burlar regras de credenciamento do programa e desviar recursos. A PF investiga se outras associações foram usadas indevidamente.

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O Leite para Todos foi criado para agir em duas frentes: distribuição de leite para pessoas em risco de insegurança alimentar e, ao mesmo tempo, incentivo a pequenos produtores locais ao prever sua contratação para fornecimento do leite.

A investigação mira fraudes com recursos federais repassados ao Estado, que teriam ocorrido a partir de 2014, e também indícios de adulteração do leite, de ‘baixa qualidade’, distribuído a pessoas carentes e alunos de escolas públicas.

De acordo com a Controladoria-Geral da União, os convênios em que teriam ocorrido as fraudes sob suspeita teriam somado, entre 2013 a 2022, R$ 192 milhões - sendo R$ 153 milhões de origem federal.

Funcionários de empresa de laticínios teriam sido orientados a descartar produtos quando peritos chegaram ao local. Foto: Reprodução

Lucro: 178%

Para a PF, a empresa Nutrir, conhecida como Natural da Vaca, seria a real executora dos contratos.

Outra suspeita é que esses empresários teriam fornecido leite com a composição adulterada para reduzir custos e aumentar a margem de lucro, que nos cálculos dos investigadores chegou a 178%. Perícias apontam a adição de componentes indevidos, como soro de leite, citrato e dióxido de titânio, e concluíram que os produtos eram impróprios para consumo.

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Quando a primeira fase da operação foi deflagrada, em novembro de 2022, parte do leite foi descartada, embora estivesse na validade, o que segundo a PF foi uma tentativa de destruir provas e impedir análises de controle de qualidade.

As conversas encontradas em celulares apreendidos corroboram as suspeitas.Diversas reclamações sobre a qualidade do leite foram identificadas. “Eu fervi uma bolsa agora para dar para os meninos, mas acho que não vou nem dar, porque o cheiro está insuportável”, diz o relato de uma das beneficiárias.

Outro diálogo, entre funcionários da Natural da Vaca, é sobre o aumento do preço do leite. “Se a gente aumentar o volume de soro, a gente consegue diminuir esse custo?”, sugere uma funcionária.

PF descobriu diversas reclamações sobre qualidade do leite fornecido a escolas públicas. Foto: Reprodução

Os crimes investigados são organização criminosa, desvio de dinheiro público, obstrução de justiça, crime contra a saúde pública, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

A decisão que autorizou a Operação Desnatura, segunda fase da Operação Lácteos, cita indícios suficientes de autoria e ‘prova hábil’ da materialidade dos crimes. A Justiça Federal também determinou o bloqueio de contas, a quebra de sigilo bancário e a suspensão de atividades econômicas das empresas suspeitas.

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Funcionários conversam sobre como manipular composição do leite para reduzir custos. Foto: Reprodução

Veja quem a PF mira na Operação Desnatura:

  1. Paolo Avallone, dono da Natural da Vaca, apontado como líder do suposto esquema;
  2. Francisco Garcia Filho, empresário, representante legal da Cooperativa de Pecuaristas e Agricultores de Itaíba, apontado como líder do suposto esquema;
  3. José Elias Sarmento Filho, gerente de produção na Natural da Vaca Alimentos;
  4. Geraldo Fernandes Lobo Nogueira, empresário, representante legal da Coopeagri, apontado como uma espécie de ‘gerente’ no esquema;
  5. Domingos Sávio Neves Tavares, administrador, representante legal da cooperativa da Coopeagri, também apontado como ‘gerente’ no esquema;
  6. Severino Pereira da Silva, autônomo, presidente da Coopeagri, teria sido usado como ‘testa de ferro’.

A investigação foi aberta a partir de um alerta do Tribunal de Contas do Estado. Um relatório do TCE apontou falhas na fiscalização dos convênios pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário e sugeriu a responsabilização do ex-secretário Dilson de Moura Peixoto Filho por ‘omissão’. O documento conclui que a Natural da Vaca ‘terminou por gerir livremente’ o programa.

“A ausência de cronograma demonstra a inexistência de planejamento para realização dessas ações de fiscalização por parte da SDA”, diz um trecho do relatório.

COM A PALAVRA, AS DEFESAS

A reportagem entrou em contato com as defesas dos citados e aguarda resposta. A Natural da Vaca também foi procurada. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

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COM A PALAVRA, O ADVOGADO BRUNO FREDERICO DE CASTRO LACERDA, QUE REPRESENTA FRANCISCO E DOMINGOS

Procurado pelo blog, o advogado afirmou que o convênio previa autorização para subcontratação, ‘tendo em vista que nenhuma cooperativa possui estrutura própria para beneficiamento do leite’.

“Quanto à prisão, a defesa entende que ela é absolutamente desnecessária, especialmente quando os pacientes permaneceram à inteira disposição da autoridade policial, inclusive já tendo sido interrogados por ela recentemente, ocasião em que esclareceram inexistir qualquer ilicitude no cumprimento do contrato”, afirmou.

COM A PALAVRA, A SDA

“A Secretaria de Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Pecuária e Pesca informa que desde que a nova gestão assumiu, em janeiro deste ano, teve ciência da Operação Lácteos, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em novembro de 2022, para apurar desvio de recursos do Programa Leite de Todos, do Governo do Estado, nos últimos oito anos. A Operação Desnatura, realizada nesta terça-feira pela PF em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), é um desdobramento da Lácteos.

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Desde janeiro, a Secretaria se colocou à inteira disposição dos órgãos de controle para permitir os trabalhos investigativos. Em paralelo, já iniciou uma reformulação geral do Programa, que será retomado com a exigência de novos critérios e sistemas de controle, tanto para os fornecedores, quanto para os laticínios que pasteurizam e embalam o leite.

O objetivo é atender com eficiência aos seus públicos – produtores e as famílias em vulnerabilidade – no combate à fome, com base na assistência social e apoio à importante cadeia produtiva da pecuária de leite.”

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