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Opinião|É preciso destruir Clarence Thomas?

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Clarence Thomas Foto: J. Scott Applewhite/AP

Os noticiários americanos atacam — e esses ataques começam a ser reproduzidos e repetidos com muita insistência em terras brasileiras — os Juízes conservadores da Suprema Corte americana. Mais uma vez o primeiro a sofrer ataques é Clarence Thomas, por coincidência, o único juiz negro da Suprema Corte até recentemente, quando fora nomeada a Juíza Ketanji Brown Jackson. Os Democratas de longa data parecem desejar destruir Thomas, particularmente agora, para tentar balancear o 6 x 3 na composição daquele Tribunal, hoje com seis juízes mais conservadores e três mais liberais.

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A cada mês requentam a “acusação bombástica”, a “bala de prata” contra Thomas, a aceitação de convites para viagens com um amigo bilionário, Harlan Crow. Nesta semana os noticiários voltaram ao tema, como se fosse algo aterrador.

Muito explicativo o movimento para deslegitimar todo e qualquer “Justice” conservador na Suprema Corte. Curiosamente, a começar pelo único homem negro na Corte. É preciso destruir Clarence Thomas. Essa frase é o título deste artigo. Comecei a escrevê-lo há algumas semanas, antes mesmo de uma publicação americana ter o um título parecido, e um subtítulo ainda mais sugestivo:

“OS DEMOCRATAS PRECISAM DESTRUIR A REPUTAÇÃO DE CLARENCE THOMAS

Eles [os democratas] nunca terão sucesso num impeachment. Mas e daí? Façam dele [Thomas] uma metáfora para cada coisa insidiosa que a direita fez a este país.” [tradução nossa]

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Vamos conhecer o homem a ser destruído. Um descendente dos escravizados da África Ocidental cujos ascendentes (chamados Geechees na Geórgia) viviam isolados do resto da população, tanto negros quanto brancos. Quando Thomas era um menino, o termo “geechee” era depreciativo para os georgianos que tinham feições profundamente negroides. Este ser humano conheceu o pai apenas aos 9 anos, vendo-o poucas vezes. Sua mãe, após o divórcio, acabou deixando os filhos (Clarence e Meyers) com os avós. Por isso o seu livro de memórias tem como título: “My Grandfather`s son”, ou, o filho de meu avô. O avô entalhou o caráter em Clarence e Meyers. O avô, que teve pouca oportunidade de estudos e lutava ferrenhamente para dominar a leitura das escrituras sagradas, incutiu nos netos o amor pela leitura, o apreço pelo trabalho — “Any job worth doing is worth doing right” — e o temor a Deus.

O estudo contínuo levou Thomas a concluir seu JD (graduação em Direito) em Yale, prestigiosa instituição da Ivy League, grupo de oito seletas Universidades americanas. Após a graduação, tendo dificuldades com as grandes firmas de advocacia — reputavam o acesso a Yale a alguma “ação afirmativa” — migrou para o serviço público. Fez o teste de admissão para a Ordem dos Advogados do Missouri, onde após admitido para a prática da advocacia foi contrato pelo “Attorney General” John Danforth. A dupla, Danforth e Thomas trabalhou em conjunto de 1974 até 1977, quando Thomas aceitou uma proposta da iniciativa privada. Em 1979 Danforth seguiu para Washington, convidando novamente Thomas. Trabalharam juntos de 1979 a 1981. Em 1981 Thomas fora nomeado pelo Presidente Ronald Reagan para o Departamento de Educação, atuando no Escritório de Direitos Civis. Em 1982 assume a Comissão de Igualdade em Oportunidades de Trabalho, permanecendo até início de 1990.

Em 1990 é nomeado para o Tribunal de Apelação Federal do Distrito de Columbia, uma vitrine para futuros candidatos à Suprema Corte. Aqui faço um parêntese: essa nomeação, seguramente, já tinha a intenção dos republicanos mirando a vaga de Thurgood Marshall, o único Justice negro da Suprema Corte (vale assistir pelo menos o filme “Marshall”, de 2017). Marshall vinha publicamente reclamando de questões de saúde há alguns anos, e em 1990, quando o Justice Willian Brennan se aposentou, passou a indicar mais abertamente que poderia se aposentar. Os autoproclamados “conservadores” brasileiros se preocupam com vagas em tribunais quando elas “aparecem”. Inocentes. Para os Republicados americanos essa preocupação é ininterrupta!

Voltando ao processo de nomeação de Thomas para o Tribunal de Apelação Federal do Distrito de Columbia, naquela ocasião ele já se viu “impressionado com a facilidade com que os brancos hipócritas acusam um homem negro de não se preocupar com os direitos civis”, como disse em certa entrevista. Permanecendo dezenove meses no Tribunal de Apelação fora nomeado para a Suprema Corte, exatamente sucedendo Thurgood Marshall. A confirmação da nomeação no Senado foi uma batalha imunda. Tentam, portanto, macular sua reputação há décadas.

Nas audiências públicas para a nomeação para a Suprema Corte, o então Senador Joe Biden era o presidente do Comitê Judiciário do Senado. Comitê que usou um “escândalo” onde nada se provou de concreto: uma acusação de assédio. Isso sem contar que Biden tentou pintar Thomas — um conservador de quatro costados — como um “libertariano”. Esse segundo caso envolvia a remissão incompleta de um discurso de Thomas. Essa coisa de citar pela metade, de mutilar contextos, para tentar “cancelar” alguém ou destruir uma reputação não é nova.

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Voltemos ao caso do escândalo sexual sugerido contra Thomas: uma acusação de assédio contra a advogada e professora Anitta Hill, que havia sido subordinada de Clarence Thomas no Departamento de Educação. Fazendo curta uma história longa. Após um linchamento moral televisionado Thomas proferiu um discurso poderoso, apesar de curto — caberia em uma única página — concluindo com a seguinte frase:

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“E do meu ponto de vista como negro americano, no que me diz respeito, é um linchamento de alta tecnologia para os negros que de alguma forma se dignam a pensar por si próprios, a fazer por si próprios, a ter ideias diferentes, e é uma mensagem de que, a menos que se ajoelhem a uma ordem antiga, é isto que vos vai acontecer. Serão linchados, destruídos, caricaturados por uma comissão dos EUA - Senado dos EUA, em vez de serem pendurados numa árvore.”

Nem mesmo os mais tendenciosos Democratas resistiram, e levaram a indicação para votação. Acreditavam que não passaria o nome do Thomas no Plenário do Senado. Lego engano. Foi aprovado.

A imprensa alardeia até hoje: Thomas foi aprovado com a menor margem de votos em um século: 52 a 48. Pode-se mentir com uma verdade incompleta. Aquele Senado era composto por 56 Democratas e apenas 44 republicanos. Portanto, Thomas manteve os votos republicanos, exceto dois, um dos quais Bob Pacwood, que caiu em desgraça pública, por motivos próximos aos da acusação contra Thomas, tendo ficado famoso e infame seu diário. Mas Thomas virou quase uma dúzia de votos Democratas a seu favor, por suas qualidades jurídicas, mesmo sendo um conservador. Isso depois de ter sua vida enlameada numa magnitude nunca vista nos Estados Unidos.

Agora, mais uma tentativa. Acusam Clarence Thomas de violar o Código de Conduta do Judiciário Federal. A “bala de prata” da vez: Thomas viaja com um amigo bilionário, que é um Republicano, ou vai a seu convite em viagens nas casas desse amigo espalhadas pelo mundo.

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A verdade não precisa de curvas. Primeiro: não, o Código do Judiciário Federal americano não se aplica à Suprema Corte. Segundo: não, o amigo não tem nenhum processo sendo ou que já tenha sido julgado antes por Thomas na Suprema Corte. Terceiro: não, não existe outro tipo de aconselhamento jurídico envolvido. Quarto: não, não existe dever legal claro de ser declarar hospitalidades recebidas. Neste último ponto é que nascem as conjecturas e maledicências. Quinto: Clarence Thomas não é o único “Justice” que viaja a convite de alguém.

Luiz Henrique Antunes Alochio Foto: Divulgação

O Senador Ted Cruz em recente reunião (2 de maio de 2023) do Comitê Judiciário revelou alguns dados. “Justice Thomas foi nomeado em 1991, e desde então fez 109 viagens, sendo 5 internacionais. A Justice Ruth Bader Ginsburg foi nomeada 1993, dois anos depois, e no tempo em que esteve na corte ela fez 157 viagens incluindo 28 viagens internacionais.” E seguiu expondo os dados de viagens de outros “Justices” mais liberais. Justice Stephen Breyer, nomeado em 1994, fez 233 viagens, sendo 63 internacionais. Justice Kagan e Sotomayor fizeram a mesma coisa, sem que o senador tenha revelado o número de vezes. Mas concluiu: nenhum desses juízes violou regra nenhuma. Nem os mais liberais, nem os conservadores. E ainda referiu às relações do Justice Stephen Breyer com a bilionária família Pritzker, especialmente a Pritzker Foundation. Não existe — o Senador Cruz reiterou várias vezes — nenhuma desconfiança quanto à honestidade do Justice Breyer. O que se vê de desonroso era a imoral atuação do comitê judiciário do senado, seletivamente apurando casos contra “Justices” conservadores. Ou de alguns congressistas inclusive sugerindo que fosse cortado o financiamento da segurança dos Juízes da Suprema Corte. Exatamente num momento quando os Ministros daquela Suprema Corte estão sendo alvo de ameaças, inclusive de assassinato, como declarou o Justice Samuel Alito, em recente entrevista ao Wall Street Journal.

É possível afirmar que talvez tenha passado da hora da Suprema Corte Americana ter um Código de Conduta? Cabe ao legislativo daquele país dizer. É possível dizer que Thomas é o único a fazer viagens a convite? Nem de longe! Ou que os juízes conservadores são os únicos que as fazem? Também não! Terrível é a seletividade, o duplo moral!

As “acusações”, como sempre, não produzem nada de concreto. Regurgitam imundícies e conjecturas. As acusações são do tipo “será”, “talvez”, “não acha”, “quem sabe”? Ou um emaranhado de “eu acho”. Para quem desejar conhecer o “bombástico” artigo que diz “incriminar” o juiz Thomas, segue o link. Ao final e o cabo nada de concreto.

Dois proeminentes Juízes Federais americanos — Thomas Hardman e James Ho — manifestaram que o “escândalo” das viagens não passa de uma construção hipotética.

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No Capítulo 10 de sua autobiografia (My Grandfather`s son: A memoir), Clarence Thomas revela o que disse, quando perguntaram se pensou em desistir antes de ser nomeado para Suprema Corte. Referia ao duro período de demonização ao qual fora submetido. Reproduzo sua resposta:

Minha resposta foi simples: “Houve muitos dias difíceis enquanto todos nós passávamos pela batalha da confirmação. Mas neste dia ensolarado de outubro, na Casa Branca, há alegria. Alegria pela manhã.” Eu estava aludindo ao Salmo 30, que me trouxe muito conforto nas últimas semanas e do qual um amigo sugeriu que eu citasse neste grande dia: Eu te louvarei, SENHOR, porque me resgataste. Você se recusou a deixar meus inimigos triunfarem sobre mim. [...] O choro pode durar a noite toda, mas a alegria vem pela manhã. Eu havia esquecido que era possível conhecer tamanha alegria. Graças à intervenção direta de Deus, ressuscitei como uma fênix das cinzas da autopiedade e do desespero e, embora minhas feridas ainda estivessem abertas, confiei que com o tempo elas também sarariam.

É preciso tentar destruir Thomas. Como se pode ver: não conseguirão. Quem o guarda não descansa.

*Luiz Henrique Antunes Alochio, doutor em Direito (Uerj)

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