O brasileiro confia no seu “jeitinho”, perverte o conceito de cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda, invoca pretensa nacionalidade do Criador para achar que tudo dará certo. Não é assim. Não se improvisa aquilo que requer planejamento e trabalho árduo.
Penso na COP30, a menos de um ano, com sede em Belém. A preocupação parece consistente e baseada em evidências.
O Estadão noticiou em 29.11.24 que o Pará, sede da próxima COP, responde por 43% dos incêndios florestais. Ou seja: o que se vai mostrar aos milhares de visitantes que virão conhecer a Amazônia, símbolo tropical do que significa a devastação e a insanidade do bicho-homem para com a natureza?
Consta do texto de Paula Ferreira que Santarém atingiu índice de qualidade do ar de 361gg/m3, mais de setenta vezes maior do que o limite de 5 gg/m3, definido pela Organização Mundial da Saúde.
O Pará registrou quase nove mil focos de incêndio apenas em novembro, de acordo com o Inpe, que já foi tão perseguido há poucos anos. Coincidem os incêndios com a pior estiagem das últimas sete décadas. Não se pense que a experiência do Círio de Nazaré, que este ano atraiu cento e oitenta mil fiéis, vá servir para edificar a infraestrutura necessária à hospedagem, alimentação, deslocamento, capacidade de comunicação pelas redes sociais e tudo o mais que interessa à enorme concentração de estrangeiros no Pará.
Soube que uma oferta de edificação de alojamentos em madeira, oportunidade para mostrar a riqueza da silvicultura nacional, foi recusada, sob argumento de que navios servirão de hotéis. Para isso, haverá aprofundamento da calha. Não se tangenciará alguma infração ambiental? Isso seria ruim para a imagem do Brasil e torcemos para que não ocorra.
Outra reportagem, esta mais antiga, de 28.8.2024, na FSP, dizia que Belém, sede da COP30, falha em rede de esgoto e coleta de lixo. Dizia o texto de Luciana Cavalcante e Vinicius Sassine, que doze por cento dos moradores não contam com coleta regular de lixo em pelo menos um dia da semana. Pior do que isso, 80% não são atendidos por coleta de esgoto e mais da metade da população vive em áreas classificadas como favelas, sem acesso a serviços básicos.
A crise do lixo é comum a todo o Brasil, mas em Belém ela persiste porque a coleta deficiente gera acúmulo de resíduos em muitos bairros e a destinação é dificultada e problemática. Houve alteração na rota do lixo que primeiro era encaminhado a um lixão em Ananindeua, cidade conturbada. Depois, passou-se a mandar o lixo para um aterro em outra cidade, Marituba.
O tratamento de esgoto só atende a 2,38% dos moradores da cidade. É um dos piores índices do Brasil. Enquanto a capital dispõe de razoável serviço de abastecimento de água, não conseguiu avançar em termos de coleta de esgoto. Tudo é mais prejudicado diante da ocupação desordenada, com invasões que não levam em conta a vulnerabilidade geológica, hidrológica e social das áreas. De acordo com o Instituto Cidades Sustentáveis, Belém é a capital com mais residências em favelas: 55,5%, superando Manaus, com 53,3%.
Os brasileiros acreditam ser possível cuidar de infraestrutura e de preparar pessoal que tenha fluência idiomática não monoglota, para bem receber os visitantes. É a oportunidade de Belém exigir dos governos federal e estadual, mas também do empresariado que ali tem sede, a contribuição necessária a tornar a cidade aprazível e que corresponda à expectativa dos que acorrerem à COP30.
O povo acolhedor, que acumula experiência benéfica da celebração do Círio de Nazaré, tem de se convencer de que é urgente um esforço coletivo, do qual ninguém poderá se furtar, para que o Brasil esteja à altura de mais uma COP. Principalmente aquela que vem depois do Azerbaijão, pois Baku deu uma lição de eficiência, boa organização, excelente acolhida, infraestrutura irrepreensível. Fez jus à sua história multimilenar – a pátria tem vinte mil anos de história e a capital nada menos do que dois mil anos!
A responsabilidade do Brasil é intensificada porque não se chegou ao montante necessário para atender às necessidades dos países emergentes. Se a resposta de Baku foi frustrante, agora a pressão sobre o Brasil é muito maior. Há lacunas a serem preenchidas, já que o aporte de 300 bilhões de dólares anuais é muito inferior ao pleito de sete trilhões e meio, considerado o ideal pelos países em desenvolvimento.
Todos os brasileiros têm de contribuir para o sucesso da COP30. Mas não se satisfaçam com a metáfora do “Deus brasileiro”: Ele não tem nada com isso. A responsabilidade é toda nossa.