Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Eleição, democracia e corrupção

Recuperar a política, com P maiúsculo, com atenção, participação e senso crítico é uma das principais vacinas contra a corrupção. Não vivemos num mundo ideal. A realidade social e a realidade política se retroalimentam. Se a corrupção e seus agentes são, culturalmente, tolerados, é certo que eles estarão presentes na sociedade e nas instituições políticas

PUBLICIDADE

convidado
Por Rodrigo Augusto Prando

O Brasil tem tido - nos últimos tempos - um encontro com as eleições a cada dois anos. Tal fato mostra que, sem dúvida, há vitalidade e resiliência de nossa democracia. Agora, em 2024, teremos eleições municipais: vereadores e prefeitos de cerca de 5.570 municípios. Em 2026, voltaremos a votar em deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores e presidente da república.

PUBLICIDADE

Infelizmente, parcela considerável dos brasileiros consideram, de antemão, a política um ambiente sujo, contaminado, repleto de corrupção e com instituições distantes e alheias aos anseios e problemas do cidadão. Atacar a política e os políticos é quase um esporte nacional. Tais ataques são, especialmente, frequentes e mais virulentos durante o período eleitoral. Obviamente, o elemento nuclear da política é o poder e, na lógica atinente ao fenômeno, cabe conquistar o poder, manter o poder e sempre que possível ampliar e não perder espaços de poder. Aqui, uma questão pode ser levantada: para que serve o poder? Para um ator político democrático, ético e assentado em valores republicanos, o poder é um meio, uma ferramenta, capaz de promover melhoria nas condições de vida da população e da construção de uma cidadania substantiva. Contudo, existem os políticos que objetivam conquistar o poder pelo poder e este é entendido como oportunidade de aumento de sua potência individual, de ampliação de seus negócios, de ganhos, diretos ou indiretos, nas relações entre a esfera pública e a privada. Há políticos corruptos e, para que eles existam, há, também, os corruptores. Corrupção em termos de desvios de recursos públicos; corrupção da própria democracia, atacando seus alicerces, cooptando e corroendo as instituições e seus atores.

A política não é, apenas, voltada para o poder, mas, ainda, uma aposta na ideia que a vida em sociedade, a convivência coletiva, vale a pena. A política pode lutar pelo aumento da liberdade, da qualidade de vida e da resolução dos conflitos. Entre outros aspectos relevantes, a política busca reconhecer que os conflitos existem na sociedade, todavia, eles devem ser equacionados e resolvidos por meio do diálogo, dentro das instituições e à luz da lei, do Estado Democrático de Direito. Quando temos políticos, indivíduos e grupos que atacam a política estes, na verdade, atacam seus postulados mais básicos. O ataque à política tem algumas características: 1) não há adversários e sim inimigos; o diálogo perde espaço e os arreganhos autoritários de portadores de verdades absolutas entram em cena numa constante luta do “nós x eles”; 2) as instituições deixam de ser criticadas para que a sugestão seja a de sua destruição; e, por fim, 3) muitos não respeitam a lei, as regras do jogo, buscando distorcer direitos e usando a própria democracia para corroê-la.

Pensar no combate à corrupção implica – de forma sistêmica e coordenada – trazer à tona a própria temporalidade da democracia: o antes, o durante e o depois. Antes das eleições, somos nós, cidadãos/eleitores, que escolhemos os políticos (no caso, vereadores e prefeitos) que receberão nossos votos; há que se conhecer a trajetória do candidato, suas realizações, propostas e se são ou não “fichas limpas”. Durante o dia da eleição, é direito e dever votar, participar, com educação e respeito, da festa cívica da democracia; ir aos locais de votação e conviver respeitosamente com os que pensam e se manifestam de forma diferente. E, depois, acompanhar os mandatos dos eleitos, cobrar promessas e planos de governo, estar em contato com vereadores, exercitar o olhar crítico em relação ao bairro e à cidade e se envolver nas atividades associativas que buscam a melhoria do espaço urbano.

A qualidade da política e dos políticos depende, em última instância, da qualidade e dos valores que estão presentes no bojo da sociedade. O político sério e honesto e o mais picareta e corrupto apresentam algo em comum: tiveram voto, foram eleitos. Para muitos, apontar para os políticos e indicar que são ruins, distantes e, no limite, corruptos é uma simplificação que gera conforto, ou, então, momentos de extravasar a raiva e o ódio. Colocar-se, assim, na condição de vítima de políticos malvados e de um sistema viciado é, na maioria das vezes, fugir da responsabilidade pelas nossas ações e omissões. Prefeituras e câmaras de vereadores não são estufas nas quais políticos são plantados e colhidos depois de quatro anos. São, todos eles, eleitos, nasceram e foram socializados no mesmo ambiente social que nós vivemos.

Publicidade

Provavelmente, os leitores devem conhecer o artigo 37 da Constituição, que versa sobre a Administração Pública e os princípios que a regem. Para memorizar, temos o LIMPE – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Claro está que estes princípios estão ligados à administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer um dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Mas, em breve, uma boa parcela de políticos serão eleitos pela primeira vez e outros serão reeleitos e outros até voltarão ao poder depois de um lapso temporal. Sejam os prefeitos – do Poder Executivo – ou os vereadores – do Poder Legislativo, todos encontrarão um corpo burocrático de funcionários públicos concursados e terão direito de indicar e nomear para cargos de confiança nos diversos escalões da administração pública.

Tendo o LIMPE em vista, poderia ser um exercício interessante que candidatos – a vereador e prefeito – sejam questionados a respeitos destes elementos e que suas trajetórias e propostas sejam cotejadas à luz da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Será que estes candidatos sabem quais são os princípios da administração pública? Conseguem explicar suas propostas tendo os referidos princípios como balizadores? Talvez estejamos, nesse hipotético exercício, subindo o sarrafo. Concordam? Mas, é melhor pecar, às vezes, pelo excesso de zelo do que pela omissão.

Não são poucos, nos tempos que correm, que reclamam do nível dos debates políticos e das poucas propostas concretas dos candidatos. Candidatos que se dedicam a apresentar ideias, projetos e que fazem uma discussão séria são considerados chatos, enfadonhos. Se a baixaria, a violência retórica e o vazio de proposta tem sido a tônica é porque isso ganha audiência e, mais do que isso, são impulsionados pelos algoritmos das redes sociais.

Recuperar a política, com P maiúsculo, com atenção, participação e senso crítico é uma das principais vacinas contra a corrupção. Não vivemos num mundo ideal. A realidade social e a realidade política se retroalimentam. Se a corrupção e seus agentes são, culturalmente, tolerados, é certo que eles estarão presentes na sociedade e nas instituições políticas. Candidatos portadores de discursos moralistas e que se apresentam como salvadores, líderes messiânicos e que atacam o sistema são, quase sempre, próximos dos ideais de autocracia e, não raro, com problemas mais profundos para a própria democracia.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Publicidade

Convidado deste artigo

Foto do autor Rodrigo Augusto Prando
Rodrigo Augusto Prandosaiba mais

Rodrigo Augusto Prando
Professor universitário e pesquisador. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp. Membro da Comissão Permanente de Estudos de Políticas e Mídias Sociais do Instituto dos Advogados de São Paulo e voluntário do Movimento Escoteiro. Foto: Inac/Divulgação
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.