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Opinião|Estadistas não se improvisam

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A crença em lideranças que conduzam o povo a seus destinos é ainda arraigada entre os que se apegam à noção de elites. Estas, minoritárias, teriam a incumbência de acionar os cordéis que manteriam a plebe sob controle. A vantagem disso: os próprios liderados aderem às técnicas de submissão, seduzidos pela inteligente articulação do comando.

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A História registra a existência de líderes com esse carisma. O relato de suas façanhas em regra se circunscreve àquele período de suas vidas em que houve demonstração de seu poder diante das massas. Nem sempre se procede a uma aferição sobre estágios anteriores. Como foi que esse líder chegou a exercer tal fascínio em sua época?

É interessante procurar os antecedentes de seres considerados singulares e muito acima da média de seus semelhantes em sua época. Um deles é Charles de Gaulle, que nasceu – como era costume da classe média francesa – em casa dos avós em Lille. Veio ao mundo em 22 de novembro de 1890, o terceiro de cinco filhos quatro meninos e uma menina.

A casa até há pouco existia. A França respeita sua História, ao contrário de países que, invocando serem “jovens”, fazem da demolição um esporte e repudiam qualquer espécie de memória.

A residência número 9 da rua Princesse, em Lille, é exemplo típico de falta de ostentação de família burguesa bem situada. Duas imagens da Virgem eram ostentadas em nichos virados para a rua. Uma ala do edifício era habitada pelos avós de Chales, Julie e Jules Maillot. A outra, habitada pela tia, Noémie, casada com Gustave de Corbie, professor da Faculdade Católica de Direito de Lille.

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Mundo de sobriedade, religião e trabalho. Após a “dieta” de três meses, os pais levaram o bebê de volta para Paris, mas os vínculos de De Gaulle com o norte da França perduraram. O Natal era comemorado, segundo o costume do norte, em 6 de dezembro, a festa de São Nicolau. A família às vezes alugava uma villa na estação balneária de Wimereux, não muito longe de Calais. O avô materno, Jules-Emile, morreu quando De Gaulle tinha apenas um ano de idade. Mas a avó Maillot, forte matriarca católica, era a autoridade a presidir a casa de Lille.

O filho de De Gaulle observaria que as profundas raízes em Lille representavam “não apenas um lugar de nascimento, mas também uma ética, uma educação, um jeito de ver o mundo”. O clã familiar era austero, tradicionalista e avesso à ostentação. Isso ajuda a explicar o desprezo que Charles De Gaulle devotava aos políticos como raça.

Foi em Paris que o menino passou sua infância e adolescência. Nas suas “Memórias”, considera-se um “petit Lillois de Paris”, ou um garoto de Lille convertido em parisiense. O casal morava na avenue de Breteuil, no sétimo “arrondissement”. Embora tenham mudado várias vezes de endereço, permaneceram na mesma região. Isso porque ali estava a escola católica onde o pai, Henri de Gaullle lecionava. Mas era também o “quartier” de Paris que refletia os valores e sensibilidades da família. Ali haviam sido construídos os dois magníficos edifícios do “Ancien Régime”, o Hospital Militar dos Invalides, por ordem de Luís XIV e a Academia Militar edificada por Luís XV. O “quartier” ficava no limite do elegante faubourg Saint-German, onde escolas católicas, instituições religiosas, embaixadas e ministérios ocupavam as instalações de antigos “hôtels” aristocráticos.

De Gaulle, em suas “Memórias de Guerra”, escreveu sobre o pai: “Meu pai, homem de pensamento, cultura, tradição, era imbuído de um senso da dignidade da França. Ele me fez descobrir sua história”. E, no final da vida, quando lhe solicitavam para mencionar a pessoa que mais o influenciara, sempre citava o pai. Um homem respeitado por seus alunos, amável sobrevivente de uma outra era: distinto e formal, pouco expansivo e erudito”. Naquela família, De Gaulle observaria, “só o trabalho intelectual tinha importância”. O pai legou ao filho a reverência por escritores e pela vida intelectual. Tanto que, em suas divagações, De Gaulle dizia que “o emprego mais maravilhoso do mundo seria o de bibliotecário”.

Talvez essa origem explique o êxito do homem que salvou a França duas vezes. Mas a França é a França e outros países são regidos por outros valores e por distintos critérios.

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José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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